sexta-feira, 25 de novembro de 2011

                                              Por amor


Engraçado. Tão doce. Como algo que representa o fim de uma vida de gosto tão amargo, pode ter esse sabor?! Deve ser dádiva de Deus. Talvez ironia. Penso ter sido o escolhido do sofrimento. E que melhor forma de ser agradecido pelo que eu sofri do que com doçura ao fim da vida?
Tenho muitos motivos para a infinidade. Nunca passei fome, nunca perdi o movimento de pernas e braços. Família típica de classe média, com todas as regras que a sociedade impõe eu também tive. Entretanto, essas são as razões que levam outras pessoas do fim ao início do edifício. Tenho meus próprios conceitos. A minha concepção é diferente. Nascer sem ter  nascido. Crescer sem ter crescido. Viver para algum dia ter morrido. Isso me expande a tristeza e a infelicidade.
Desde sempre desejei ser importante. Servir de base para alguém que necessitasse. Busquei todas as minhas aspirações. Mas aqui, sob esta singela poltrona, ouvindo um jazz da época de meu avô, percebo que o mundo parece girar pelo avesso. Se é que existem giros pelo avesso. A minha tara de ser valioso, parece nunca ter sido satisfeita. Conheci centenas de pessoas. Não exagero ao dizer milhares. Entretanto, tenho a impressão de nunca ter sido conhecido. De ter uma face lisa e descolorida. Viajei de norte a sul. Só que, estranhamente, quando estava a norte, era sul. Quando estava a sul, eu era norte. Passei pelo leste sendo oeste. Pelo oeste sendo leste.
É perturbador olhar os anos que me deixaram e refletir. As memórias queimam. Achamo-nos inteligentes por marcar cavalos a ferro quente e definir a vida destes. Mas a natureza não deixa barato. Cada memória guardada é uma marca firmada. São chamas invisíveis que nunca se apagam. Assim como o amor. Engana-se caso esteja pensando que foi por amor minha desistência do circuito. Mas já que falei do fogo. ‘’Que seja eterno enquanto dure, posto que é chama.’’ Oh brasa. Rasga. Aniquila. Dilacera. Mas suaviza. Constrange. Modifica. Irracionaliza. Mas engrandece. Apaixonei-me por muitas mulheres. Amei apenas uma. Custo dizer não ter sido minha mãe. Não há porque mentir em um momento como esse. Amei apenas a garota que passava. Que passava alegre e esbelta em cada noite bem dormida que tive durante a vida. Acho que o amor mingua os neurônios. Propicia um olhar melancólico sobre as coisas. O não correspondido, é claro. Afirmo e reafirmo. Não é por amor.
Estou me sentindo mole e sonolento agora. Cada vez que respiro, sinto mandar mais ar para fora do que para dentro. Era para ser um momento triste esse. Mas estou feliz. É de livre e espontânea vontade. Não é por amor. Fique bem claro. O sol está se pondo. Minha luz se acabando. Saiba que eu tentei permanecer. Entretanto, a última gota d’água secou. A última pétala voou. O último pássaro cantou. Mas não foi por amor... Lembre-se disso. Não foi por amor...

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