sábado, 15 de setembro de 2012

                                              Breve análise do suicídio

    Se posso ter uma certeza absoluta na vida, esta é a da morte. Fecham-se os olhos, cessa-se o respirar, paralisam-se as batidas cardíacas, sobram-se as memórias. Nada é novo. São quase premeditações do fim do ciclo. Porém, o que consiste transcendentalmente o verbo morrer? Talvez seja uma pergunta presente em todas as eras da humanidade. Desde o nascimento dos cristãos, com seu Deus todo-poderoso reinando sob o céu, até o surgimento dos tranquilos budistas e seus ideais de formação espiritual, a resposta buscada é a mesma: o que vem após a morte? Lamento lhe informar que não me chamo Brás. Portanto, lhe escrevo vivo. Estou distante da resposta. Talvez tenha minha ilusão de como se é deitar na cama dura, também conhecida por caixão. Aqueles olhos lacrimejados a me encarar e relembrar. E eu, vagando espiritualmente rumo ao Paraíso. Encontrando ídolos, parentes queridos. Inalando o odor das flores mais belas. Sentindo a pureza das nuvens... Quando chegar o momento talvez volte para lhe contar. Ou... e se eu forçar propositalmente o sono eterno? E se eu rumar ao escapismo melancólico da depressão psíquica? É leitor mais desprovido... e se eu assassinar uma vida? A minha vida! Seria um suicida, obviamente. E justamente esta classe que preciso analisar. Nobre classe. A vanglorio! Ah... os suicidas. Você e mais meio bilhão de pessoas talvez me critiquem com veemência. (Eu disse meio bilhão?) Pense comigo. O que leva o suicida a seu ato? Medo da vida? Covardia? E se víssemos por uma outra ótica? E se fossem os verdadeiros corajosos? Sim. Talvez o são. A coragem para buscar a grã-resposta. Aquilo que se tem detrás da vida. Dizem os católicos que eles ficarão vagando no Purgatório. Mas que comicidade! Quem é que lhes contou tal fato? Deprimente ato! Os suicidas são belos. Sim... São cheios de pureza. Cheios das sentimentalidades. E talvez seja isso o que lhes inspiram a buscar o outro lado. Talvez seja a vontade de alcançar o mundo equilibrado. O equilíbrio desequilibrado. Essa importância que se dá à morte é vão egocentrismo terráqueo. As várias dimensões nos oferecem mais. Não, eu sei que desconheço o que se sonha no sono eterno, mas visualizo. Visualize! Faça a programação pós-morte. Ah suicida hipócrita... À todo instante você mata o seu próprio tempo. O pó da sua ampulheta escorre cada vez mais rápido. E muito por sua culpa. Ou discorda de nossa intoxicação leviana do mundo? Portanto, não critique o imediatista. Nós todos nos matamos. O mundo todo é uma bola automutilante. Convenhamos... cada um tem seu momento. Aceite a perda de seu viver meu caro. Aos poucos ou agora. Também entrarei nessa. Afinal, o que é a vida? Apenas um suicídio gradativo.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

                                           Felicidade quantitativa

É possível ser feliz? Responda-me leitor. Mande-me mensagens mentais à respeito de sua opinião, lhe garanto que a levarei em conta. Porém, deixe-me emitir a minha neste momento. Uma opinião nem muda telepática como a rosa de Hiroshima de Vinícius, nem arrogante e petulante como o Príncipe de Maquiavel. Apenas uma opinião de mais um ser pensante. Cuspa-a fora caso queira. Deboche. Contudo, leia. Sem mais delongas, julgo impossível ser feliz. Pelo menos não uma felicidade completa. Caso tenha provado, mude minha opinião. Entretanto, a natureza humana me faz descrer de tal possibilidade. A essência da felicidade consiste em sua própria busca. Se está feliz neste momento, tenha certeza de que ainda está buscando totalidade. A sensação de saciedade do sentimento ''ser feliz'' é inexistente. Pense nisso. Não é nenhuma explanação baseada em nosso ultra pessimista Schopenhauer. A verdade é que a consistência jamais deixará de ser maleável. É natural humano a ambição; até mesmo no quesito felicidade. Aquele que contradizer o que digo com mostras de que ser totalmente feliz é possível, conte-me. Pois assim, finalmente poderei dizer: ''Meu senhor ou minha senhora, a morte lhe será doce.''

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

                                                              Não traia

Se você se sente um fracassado, não se sinta assim. Se você se sente um excluído da sociedade, mande embora tal pensamento. Se você for uma boa pessoa, esqueça tudo de ruim. Olhe para as estrelas, para a lua, para o céu. Olhe para o fundo de sua alma. Alguma vez na vida já conversou com sua própria alma? Converse. Dialogue. Se é uma pessoa que caminha sob o olhar debochado do sofrimento, acalme-se. Não se desgaste. Peguemos alguns exemplos. Profissionalmente, podes ser um coitado. Mas alguma vez na vida, você fez o mal? Alguma vez sua consciência foi dormir com toneladas de massa? Se não, acalme-se. Você é muito mais bem sucedido que qualquer empresário rico. Você é bem sucedido na arte da vida. Na arte humana da relação. Tocando no assunto relação. Você nunca se sentiu amado? Acalme-se. Ame. Já foi traído? Acalme-se. O mundo gira em torno das pessoas boas. Das pessoas de carne e osso... e mente. A traição, embora seja o ato mais triste que pode ser feito ao seu amor, nada mais é do que a verdade. A verdade de como nosso mundo é povoado por alguns e despovoado por outros. Não se sinta ferido com seus fracassos. Não se sinta um bobo perante os olhos de outrem. Sinta-se em paz. Em paz com sua mente. Com a moral humana. Se fazes tudo do modo correto, serás recompensado. Posso não saber nem onde, quando, nem porquê. Mas de uma coisa sei. Sofrer é humano. E passar por cima de tal fato é ser um humano maduro. É ser sabedor de que seu papel está feito, e infelizmente de que o mundo só conflui ao caos, devido às pessoas ausentes da moral. Do respeito. Da simples e fácil atitude correta. Da ausência de personalidade em milhares de corpos que perambulam por essa vastidão. Porém, não deixemos de acreditar que a mediocridade pode ser varrida de nossas vidas. Comece por si mesmo, olhando ao seu redor, sendo mais crítico com tudo e todos. Observemos quem é merecedor de um sorriso, de um olhar. Não traia a essência da vida que nos foi dada. Não traia os ensinamentos que tivestes em sua casa. Não traia o real, moral e correto. Não traia.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

                                                 Foice

Foi-se o ar puro e sereno.
Foi-se o amor.
Foi-se o canto dos pássaros.
Talvez voltem quando não estiver mais presente.
Foi-se os sorrisos lustrosos.
Foi-se os cheiros, os gostos, os olhares.
Foi-se a concordância correta da gramática.
Talvez voltem quando não estiver mais presente.
Foi-se a paz da maré.
Foi-se a doçura do tocar de cordas do velho violão.
Foi-se o prazer de viver.
Espero que voltem quando não estiver mais presente.

sábado, 14 de julho de 2012


             Congélido


Frio demais.
Que frio rapaz.
Pé-de-moleque gelado
Sorvete de nariz.
Onde está o cobertor?
Ali com meu amor.
Dê-me cá!                       Ora! Egoísmo é com as mulheres mesmo.
                  Regresso


Ela está chegando.
Ela voltou.
Ele vibrou.
A amada, a felicidade, o coração.
Ele chorou de saudade.
Mas ela está chegando.
                       Amor passageiro


Dizem que passa,
o tempo e o amor.
Passa o amor,
vem a dor.
Quem é que diz,
que tempo passa 
assim como o amor?
Há relógios parados,
hão amores ancorados.
Não passe amor
Deixe apenas o tempo passar.

domingo, 24 de junho de 2012

                                                 Cronologia noturna


(A) Você só é velho. Esse texto parece de um cara de noventa e nove anos.
(B) Isso é bom.
(A) Não acho que seja bom.
(B) E como não? Com dezoito anos já aparento ter experiências de um de noventa e nove.
(A) Com dezoito anos você deveria ser menos encanado. De verdade...
(B) Talvez com noventa e nove anos você ainda não consiga entender uma pessoa profundamente.
(A) Espero que não mesmo.
(B) Por que não espera?
(A) A vida não teria graça se você entendesse todo mundo por completo.
                                                        O tempo passa...


    A estranheza toma conta. Confesso ser um dos céticos, porém fica difícil descrer da predestinação perante os fatos. Parece um ciclo. Assemelha-se a um fardo. Único...pesado...quiçá eterno. Conheço minha índole inclinada à valorização dos fatos melancólicos. Mas não há dúvidas: a tristeza tornou-se uma perseguição. Às vezes penso se é bom ou se é mal. Natural ou artificial? Certo é que ninguém nesse mundo busca sentir-se triste. E a cada passo obscurecido nas sombras da tristeza parece esvair meses de minha existência. Sabe aquela coisa de expectativa de vida? O ar vem pesado. Pode ser que esteja desprovido de malefícios à integridade física. Mas a mental... Essa me é vilã. Não que esteja no ápice do descobrimento de minha demência. Aliás, ainda consigo analisar com muita razão até mesmo os fatos da emoção. Porém, sou sacrificado. Em um ritual de desperdício de vida. Me engano. Desperdiçar vida é não vivê-la. Eu ainda vivo. Com esperanças, assim como todo o mundo. Com vontades, principal componente de nossa fórmula vital. Vontade de amar, correr, saltar. Beber, viajar e, quem sabe, em paz morrer. Intrigante esses desejos. Tão comuns. Sólidos na humanidade. E mesmo assim peregrinam na andança cronológica humana. Mas não quero desviar o foco de minha confissão principal. Sou um homem triste. Sim. Não exclame surpresa, muito menos satisfação. Não tenho ânimo em expressar minha melancolia. Porém, expressar é um dos prováveis jeito de, quem sabe, dissipá-la. Sei que não sou o primeiro. Nem o último. Mas o que, no momento, me vem à mente, é que sou um escolhido. Conhece aquelas predileções do espiritismo de vidas passadas? Eu conheço bem superficialmente. Contudo, o que sou sabedor já me basta para duvidar da qualidade de homem que posso ter sido em outras eras. Para os descrentes de tal teoria, assim como eu, fiquem com a possibilidade de quem vos escreve ser apenas mais um idiota por aí. Aquele hipócrita bem conhecido da sociedade. Que fala, mas não faz. Que  deseja, mas não se esforça. O que culpa. O vigarista infantil e indelicado dos próprios pensamentos. Burlador dos sentimentos. Não obstante a isso, um cético - como é dito no começo destas linhas progressivas e insistentemente melancólicas. Como opinador que sempre fui, não acho que os céticos sejam merecedores de atenção e complacência. Afinal, o que desejar a alguém que não crê? Sorte? Nem com trevo de quatro folhas. Sucesso? É duvidosa tal possibilidade. Para o cético, até mesmo o que foi fato, tornou-se dúvida. Infelizmente, não creio que a felicidade bata na porta duas vezes. No ceticismo, toc-toc confunde-se com tic-tac. E assim o tempo passa.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

                                       Soneto de maio


Pesar dos olhos deslumbrantes,
causadores da incômoda inquietação.
A foice negra nos infantes,
dona do clamor ingrato da ambição.


Júbilo dos deuses ou de Maomé,
destruidora dos laços fixos da nação.
Atesta à guerra a marcha-ré
de tropas desistentes do canhão.


Mortes que aconchegam a loucura,
trazem à tona mais um dos artifícios
da fétida e tristonha sociedade impura.


Maio traz notas de torpor.
Só mesmo a mulher para, nas batalhas,
silenciar a pólvora com o som de um amor.

domingo, 13 de maio de 2012

                                                  Percalços de maratona


Às vezes gosto de funcionar como narrador onisciente. Até porque, quem é que não gosta de ser conhecedor de todas as partes, todos os pensamentos? Pois bem. Peço licença a duas pessoas que conheci para escrever a história de ambas. Na verdade, a pequena história ocorrida entre eles.


Sabemos que o ambiente escolar é propenso às paixões. E com meus queridos personagens não foi diferente. Miguel era o típico garoto descolado. Conhecido por todos, muito devido a sua imensa forma carismática de dialogar. E, geralmente, é esse estereótipo masculino que sempre está em busca de um grande amor. E Eliza estava lá. Simplesmente para ser desvendada. Garota bonita, simpática e com um certo ar de mistério. Obviamente, um estereótipo feminino que desperta interesses. E, obviamente, foi isso que aconteceu. O interesse de Miguel foi instantâneo. Sorrateiramente, começou seus cortejos. Cortejar uma garota é sempre tarefa ingrata. Qualquer erro pode ser fatal. E logo ele, nosso personagem àvido pelo amor, cometeu suas falhas. Entretanto, isso é desprezível à nossa história. Até porque o coração feminino nos permite que simples flores limpem qualquer vestígio da voluptuosa forma grosseira dos homens. Assim se sucedeu. Aliás, as flores são o elemento essencial desse texto. Creio que tenha sido o tempero que uniu Miguel e Eliza. Pois bem. Saíram certo dia, depois de certa insistência de Miguel. Aquela típica insistência enjoativa, porém infalível. E como todo galanteador que se preze, tudo saiu dentro do planejamento. E para coroar a noite, flores pela manhã. Veja, isso é incomum nos dias de hoje em uma sociedade tão presa ao desprendimento amoroso. Meus parabéns meu garoto! O coração da donzela foi cativado. Abro um espaço para descrevê-la psicologicamente agora. Tenho esse poder. Afinal, isso é uma simples história. E eu, seu dono. Eliza era uma menina irracional. Ela pensa. Como todo ser humano. Mas meu leitor, não é um pensar com razão. Já ouviu falar de Bento Santiago, vulgo Bentinho? Pois bem... o tão apaixonado e perturbado adorador de Capitu, me lembra certos trejeitos de Eliza. Emoção em fervor. Atitudes em que as batucadas do coração são tão altas, que ensurdecem e enlouquecem o trabalho cerebral. Aquele que lhe faz pensar em possibilidades do futuro; o faz ver prós e contras. Mas Eliza... Ah, pobre menina, não é uma simples peça de ossos e cérebro. É além disso. É alma e coração. E pense. Você, garota-mulher que lê. Me diga. Flores são o ápice do encantamento, não? Ainda mais quando tratamos de pessoas imediatistas, impulsivas. E, confesso, carentes. Ela era a mais singela forma da carência feminina. Foi fisgada, óbvio. Quem vê ''fisgada'', ''galanteador'', ''infalível'', caracteriza Miguel como um canalha. Retire tais pensamentos. Era puro no que sentia. Isso não há como se negar. Sem mais delongas, as flores pela manhã abriram espaço na cartilha que ambos desejavam: um amor meteórico. E, como um astro que corre à velocidade da luz, iniciaram um namoro. Precoce. Previsivelmente, com fim premeditado. Mas não pulemos etapas. Miguel e Eliza enamoraram-se. Desde daquela típica apresentação aos pais até a ardente paixão solitária entre ambos. Assim passaram-se duas semanas. Talvez uma... não me recordo ao certo. Afinal, qualquer período abaixo de um mês, faz parecer imediato demais. Quebrando todo o fluxo da história feliz que viviam, Eliza passa na faculdade. Aquele tão sonhado desejo juvenil. Choro de Miguel. Melancolia. E a promessa. O namoro continuaria sem diferenças. Aquela velha : ''para o amor não há distância'', era o que predominava em suas vidas. Assim se passou a primeira semana. Celulares em punho à todo instante. Juras de amor viajantes. Mas, meu caro ou minha cara. Confesse-me. Você, em sã consciência, tem suporte psicológico para namorar alguém que acaba de realizar um desejo como o de passar numa faculdade? E, veja, à centenas de quilômetros de distância? Pois é... Até mesmo o amor tem suas fraquezas. Eliza contentou-se em ver seu amado em um feriado qualquer. Mas Miguel... Ah... tão apaixonado. Tão fraco. Lhe era difícil. Passou-se mais algumas semanas e eis que surge a oportunidade de Miguel visitar sua princesa. 


Bem... peço licença dessa vez para elongar algumas palavras sobre o amor e o orgulho masculino. O amor, este que é o pó da vida. O verdadeiro ar humano, sem hipocrisia, não suporta a tudo e a todos. Eu que já amei algumas, sei que vários fatores influenciam nosso pensar. Aquele ardor do amor... ah... não é páreo para os vestígios da desconfiança. Rebusco Bentinho novamente. O nosso Dom Casmurro, embora amasse tão ardorosamente, não resistiu às peripécias da desconfiança. Era Capitu adúltera? Dotada de um amor falso perante a ele?  Um marco literário prova que falo a verdade. Bento e Capitolina desfizeram seus laços. Miguel e Eliza, tragicamente, também os desfizeram. Quanto ao orgulho que citei, raciocinamos. Finja ser Miguel. Você é um mero estudante de colegial. Uma cria embaixo das asas da mãe. Agora você é Eliza. Uma moça recalcada em beleza e simpatia. Em um universo novo. Acadêmico. Jovial. Independente. Veja, é simples sentir-se fraco perante à situação. 


Assim Miguel sentiu-se. Perturbado pela dúvida emocional, pela análise fatigada dos fatos que lhe eram desfavoráveis. Como disse anteriormente, meu personagem a visitou. Viu de perto o novo mundo que se passava pela cabeça de sua amada. Sentiu-se a parte daquilo tudo. Evidenciado pelas frases de impacto proferidas por Eliza, Miguel tomou a decisão de deixá-la. Vivenciou o pouco de romantismo que lhe restava e se foi. Sem dizer palavra alguma, a deixou. Passado alguns dias, deixou um bilhete à caixa postal de Eliza: '' A velocidade do encantamento obscurece a verdade dos fatos. Sinto muito. Por amá-la demais, devo deixá-la.'' Eliza, desentendedora da situação chorou. Entristeceu-se. Odiou seu amor como nunca odiara ninguém. Desejou vingança, morte, ruindades. No outro dia já não desejava mais nada. Apenas pular a areia movediça que parecia insistir em sugá-la. A areia do azar no amor. Esse que eu, você, Eliza e Miguel, certamente teve ou terá em alguma fase da vida. 
Essa é a história de Elisa e Miguel. A história de dois apaixonados que nos mostram que tudo tem seu tempo. Na maratona do coração, correr demais pode exaustar com precocidade. Caminhar vagarosamente, pode fazer com que percamos o primeiro lugar. Alguém poderia palpitar: dessa maratona prefiro nem participar. Pobre alma. Mal sabe ela que o prêmio dessa corrida é o que nutre a vontade de viver. Um prêmio chamado ''Felicidade''. Este mesmo prêmio que nem Miguel e nem Eliza ainda obtiveram. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

                                                 Direito por lei
     
    
       Há algumas horas vi um vídeo interessante. Consistia em uma entrevista com o renomado filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé. Certamente, poucos concretizarão o adjetivo que usei para descrevê-lo, afinal, vivemos em uma sociedade intelectualmente precária. Mas foi justamente nesse papo informal de Pondé, que uma de suas maliciosas e inteligentes frases me despertou a vontade de raciocinar e escrever uma opinião à respeito. O filósofo afirmou termos ''mania de querer agradar a todos. Possuímos uma afetividade infantil condizente apenas com tal faixa etária...'' . Realmente. Quando paro pra observar o cotidiano em que me encontro, percebo múltiplas facetações representando algo não verdadeiro. Alguns diriam falsidade. Prefiro não usar o termo, ou talvez, apenas omiti-lo. Vendo o desenrolar mental da sociedade, percebo há muito que não somos mais donos de nossos narizes. Falsidade consiste em dissimular. E não mais dissimulamos. Agimos como falsos naturais. Somos falsos naturais. E tudo isso por conta do que disse Pondé : queremos agradar a tudo e a todos.     
       Quando somos educados em nossa infância, certamente somos para agregar valores sociais. Dentre esses valores, formadores da criança, encontramos busca pelo sucesso, apreço pelo belo, solidariedade com o próximo e respeito às regras pré-concebidas. Já nesses valores torna-se perceptível o quanto nossa criação influi no nosso desejo de agrado permanente. Quando nos eram exigidas notas altas, que simbolizam o sucesso infantil na sociedade, simplesmente nos eram exigidas. Perdoe a repetição de palavras. Mas foi isso o que todos ouviram quando tiraram notas baixas: exijo, exijo, exijo... E, para tirar um sorriso da cara do pai com a vinda do boletim no próximo bimestre, nos esforçávamos ao máximo. Veja, não nos vangloriávamos de nosso conhecimento, mas sim do dever cumprido perante o desejo dos pais. E isso advém da criação mal-formulada. Agregar o valor do sucesso com o regozijo de sentir-se bem apenas quando outro nos parabenizava, foi desastroso para a formação psíquica de indivíduo social. Quando perguntávamos como estávamos vestidos, se o perfume era de cheiro agradável, ou se o cabelo remetia a um penteado condizente com a imagem, simplesmente transferíamos nossas opiniões para o destinatário. E, erroneamente, recebíamos veementes opiniões a respeito de um simples vestido ou uma singela camisa. Veja como isso é inconcebível para uma formação ideal. Nos foi ensinado que devíamos ajudar o próximo lhe tirando um sorriso da face. Não! Isso é reprovável. Devemos tirar um sorriso de nosso rosto. Nós devemos nos sentir felizes por ajudar. Ficar na dependência da opinião alheia é um ato falho. Pondé afirmou que é aceitável para uma criança o fato de insegurança nos atos. Discordo. É de criança que recebemos o jeito que pensaremos no futuro. Se julgar admissível um pensar inseguro, logo na infância, certamente revelará um adulto dependente. Dependente do alheio. Não creio que devamos incitar nossas crianças a serem independentes em todos os atos. Afinal, somos taxados de exemplos a elas. Mas acho que liberdade de raciocínio e opinião é meio caminho andado. Certas atitudes talvez implantem na mentalidade da pessoa que, independentemente do que irão dizer, quem tem voz para gritar primeiro é ela mesma. Você mesmo deve se avaliar. Apenas você pode formular um raciocínio pessoal. E percebo que a sociedade carece de pensadores hoje justamente por conta de nossa criação. À medida que vamos sendo coordenados a esboçar nossos próprios sorrisos na face de outrem, despedimos do cérebro a importância de nossos próprios dentes. Essa mania de agradar, sinceramente, não me agrada. E justamente por isso que admiro tanto os excêntricos. Desde a era hippie, fervorosos anarquistas, ao cantor de rap sem papas na língua. Chega dessa ignorância medíocre de taxar o que é certo e errado, feio e belo. Somos seres pensantes. E, graças as forças superiores, seres que pensam de maneira diferente. Acatemos nossos próprios valores e nossas próprias ideias. Contanto que não fira a liberdade do próximo, que se dane se eu quero sair por aí vestido com uma blusa com estampas de mangas e uma saia escocesa dançando algo senegalês. O livre-arbítrio deve ser estimulado. De crianças a idosos : liberdade de expressão e pensamento, é um direito que nos cabe.  

sexta-feira, 20 de abril de 2012

                                                   Combustível vital


Sua mente tenta revirá-lo. Os arrepios são constantes e, às vezes, até o óbito lhe parece profilático. Por quê o dualismo lhe afeta tanto? No momento, o que ontem era certo, tornou-se errôneo. Se diz tão liberto dos fétidos olhares da sociedade, entretanto, pesam-lhe as pálpebras. É como se quisesse fechar os olhos e viver em eterna solidão. Na verdade, os atos falhos proporcionam tal sentimento. É difícil entender esse tipo de bipolaridade. Creio que os fatos da vida lhe influencie. Confesso que arrepios tomam conta de meu corpo à todo instante. Afinal, transformar a 1ª pessoa em 3ª é um fato que assusta. Não o susto dos fracos, da covardia. É um assustador brando. Racional. É de se entender. Possui duas vidas. Uma delas, dizem ser real. Mas o imaginário lhe é a verdadeira realidade. É dificultoso uma ideia de dois mundos. Mas entenda: as literaturas, apenas estas, conhecedoras do inexistencial, é que poderão explicar um ser tão complexo. Como pode não gritar e chorar? Portar-se friamente, mesmo tendo erupções vulcânicas em suas sinapses. Não lhe passa eletricidade nos neurônios; lhe passam brasas. Fogo. Fervor. Talvez exista alguém que possa enxergar as chamas em sua retina. Até porque não encontrara ninguém que possuísse o olhar que, admiravelmente, possa lhe entender. Há de encontrar. Talvez numa dessas estradas perdidas no mapa, pacatas, caipiras em sua essência, que tanto lhe cativa. Talvez em lugar algum, nenhum. Entretanto, as clarividências estão longe de suas qualidades. Embora possua algumas certezas. Como a de que aqueles que entoam choro de tristeza, logo ao nascer, estão, inevitavelmente, fadados a mesma tristeza. Como disseram por aí: '' há seres que nascem póstumos.'' Eu digo: há seres que nascem, crescem e morrem inertes no formol do descontentamento. Não há plenitude. São estimativas da felicidade... na maioria das vezes, momentâneas. Assim como existem os ambidestros, ambiciosos, existem os ambisentimentais. Ora tristes, ora felizes. Mas assim segue o trajeto. Com perspectivas de sucesso, felicidade e alegria. Embora sabedor de que, o combustível que lhe nutre a vida, chama-se melancolia. 

terça-feira, 3 de abril de 2012

                                              Prisão do mundo real


(A) - Não acho que a sociedade influa em nosso pensamento individual...
(B) - Baseado em que podes afirmar isso?
(A) - Veja os rebeldes do mundo atual. Todos somos criados para respeitar regras sociais e seguir os preceitos religiosos que imperam na sociedade. Usuários de drogas não se acanham perante a coercitividade paterna. E os homossexuais então?! Seguem a contramão do caminho natural das coisas. Onde quero chegar é que, mesmo que se estabeleça padrões, não são suficientemente fortes para inibir uma  vontade individual.
(B) - Vejo uma certa prepotência em suas palavras. É como se achasse que, como possuidores do poder do livre-arbítrio, ficássemos isentos da parcela influenciadora chamada sociedade.
(A) - Não creio que soe prepotente. É apenas a real situação das coisas.
(B) - Certo. Farei-te uma pergunta. Ou melhor. Explanarei um fato e quero que me diga suas conclusões à respeito dele.
(A) - Fechado.
(B) - Há um tempo eu dividia um quarto com um amigo na faculdade e pude observar muita coisa sobre um ser humano. Ele era aquele típico cidadão da moda, contra leis e do suposto livre-arbítrio por você defendido. Sempre me dizia que fazia o que lhe desse vontade. E pude constatar tal fato. Nas baladas noturnas ele sempre acompanhava-se das mais belas - e burras - garotas da faculdade. Desfilava marcas, do sapato ao carro importado. Bebia e se achava o fora-da-lei. Certa vez ele trouxe uma garota para ajudá-lo com afazeres da faculdade lá pro quarto. Era notável a admiração dele para com ela. Garota inteligente, bem instruída. Feia e pobre. Reestruturarei melhor essa última frase: garota inteligente, mas feia. Bem instruída, mas pobre. E era visível a contradição. Ele a admirava. Mas o desvio do padrão social que ela possuía, o afastava à mesma proporção que aproximava. Não sei se consegue captar a situação. Mas imagine aviões. Um exército deles. Nós, cidadãos comuns, encontramo-nos abaixo de suas hélices. Agora visualize esses aviões despejando algumas coisas: marcas famosas, modelos internacionais, religiosidade, modos de pensar e agir e, por último, um pacote chamado senso comum. Agora imagine que esses aviões estão logo acima de seu cérebro, e tudo que despejou, impregnou no mesmo. Retome o garoto da faculdade que eu havia falado e veja-o composto das coisas jogadas pelos aviões. Você percebe que o cérebro dele foi moldado? Encaixado em um muro chamado padrão social, que amedrontava seus próprios desejos intrínsecos? Olhe para você. Por quê usa essas roupas, este cabelo penteado e traz consigo o pensamento de que somos livres? Lhe explico o porquê. Você está preso. Preso no muro asséptico. Sim. Limparam-lhe quaisquer perspectivas de liberdade real. Acredito que temos livre-arbítrio. Mas é um livre unido ao preso. As vendas que lhe impedem de enxergar a realidade chama-se falsa liberdade. Não acho que deveria realmente acreditar que és dono de tua própria vida. 
(A) - Você me dizendo tais coisas me faz sentir-se envergonhado.
(B) - Não acho que seja essa a palavra mais adequada. Só queria lhe mostrar que somos regidos por uma lei natural: a da artificialidade humana. As minorias que você citou no começo quebraram alguns blocos do muro asséptico. Mas, enxergue com amplidão. Eles impuseram suas vontades sob um fator em centenas existentes. O resto lhe é imposto socialmente e até mesmo, sem querer.
(A) - Quer dizer que nunca estarei livre dessas amarras sociais?
(B) - Essa é a prisão do mundo real. Seja bem-vindo.

domingo, 18 de março de 2012

                                         Diálogo inaudível


Iam ambos dentro do carro. Não haviam a muito se conhecido. O suficiente para que se concretizasse um princípio de amizade. Pelo menos, é o que diziam. Ele pra ela, ela pra ele. O trajeto não era consideravelmente longo. Suficiente. Ao menos para que fossem ditas todas as frases arquitetadas por ambos em suas casas há minutos antes. Sabe quando surge um passeio importante, ou mesmo sem importância, mas que adquire tal grandeza devido à companhia? Essa era a situação entre eles. E essa era a volta de tal passeio. Por sinal, muito divertido. Porém incompleto. Diziam ser vergonhosos. Tímidos. Na verdade, eram apaixonados. E medrosos. Pateticamente fracos. E a proximidade do fim da noite à cada segundo se aproximava. Era preciso que tudo fosse pronunciado. E pronunciado em alto e bom som. Sem perda de tempo. Então, repentinamente, decidiram conversar sobre aquilo que tanto os afligia. Ele pensou.


'' Você sabe que a considero de inestimável amizade, uma pessoa apaixonante e bela. E, justamente por essas e pelas tantas outras características que me encantam, creio estar gostando de você além do que acho que poderia.''


Enquanto ele pensava em cada sílaba, construía cada parte do diálogo que pretendia ter, ela também encontrava-se absorta em pensamentos.


'' Não sei bem como lhe dizer isso. Normalmente as meninas demonstram de outras maneiras o que sentem. Mas eu, por acaso do destino, acho que seria prudente lhe falar a verdade aqui e agora. Sua atenção para comigo, e sua sábia doçura fixaram-me a você de uma maneira inelástica. Acho que estou apaixonada.''


Nessa fração de segundos, se olharam. Então, como mandava o figurino, ele tomou a iniciativa e disse o que tanto clamava por ser dito: 


- Acho que vai chover...


Não! Um discurso tão bem feito e é falado sobre a chuva? Ainda mais com um tempo limpo daqueles? Inexplicavelmente, não foi. Então, já que ele não dizia, ela decidiu tomar as rédeas da situação.


- Olha, não acredito que vá chover. Mas, tenho uma coisa a lhe dizer...


Era agora. A hora. Nem dentro nem fora. Ali. Ele corou antes mesmo de ouvir as palavras. Será que era o que pensava ser? Ela prosseguiu:


- Meu avô pediu que levasse um guarda-chuva. E ele nunca falha em suas previsões do tempo. Quem sabe você esteja certo! 


E com o sorriso mais mentiroso já existente, começou a se punir mentalmente. 


''Por que fui falar do meu avô? Por que não lhe disse de uma vez?''


Ele, já aflito com a situação de declaração, desnorteado pelo baque do ''avô'', à todo instante só pensava em desistir. Mas tinha que ser ali. Não iria desistir. Então, novamente, pensou.


'' Sinceramente, chega desse papo furado, o que realmente quero lhe dizer, é que a amo!'' 


Julgou um pouco brusco e assustador demais. Mas, não era hora para desistências, muito menos para eloquências. Enquanto isso, ao mesmo tempo em que ele se encontrava naquela batalha mental, ela reformulava seus dizeres.


''Na verdade, acho que devo ser menos direta. Acho que tenho que deixá-lo perceber por si mesmo. Vou lhe dizer que nunca pensei que conheceria alguém tão interessante. Que faltam homens assim. Talvez ele pesque o peixe e me mostre se realmente está interessado.''


Mas dessa vez, foi ele quem tomou a dianteira:


- Olha, sei que pode soar estranho... Mas eu acho que...


Agora sim. Ufa! Até que enfim os dois apaixonados seriam, quem sabe, um par de namorados. 


- Eu e seu avô erramos. Acabo de me lembrar que ao sair de casa havia visto que seria uma noite quente. Parece que, além de ser ruim como homem do tempo, sou bem esquecido. 


Deu uma leve risada. Mas... POR QUÊ? Não era para ter retomado o assunto do avô! Era a hora da confissão. Do sublime encantamento a dois! Ela esperava pela declaração, e ele me vem com outra repetição. Mas que droga!


''Vou lhe dizer... Chega de falar do meu avô!''


- Chega! A verdade é que...


Sabe quando desviamos o olhar por um breve espaço de tempo? Ela procedeu dessa maneira e, fatidicamente, viu seus olhos refletirem a luz do poste. Aquele... em frente a sua casa. Mas ela ainda tinha tempo, segundos. Já havia iniciado a frase. Era só acabar! Pois então foi o que aconteceu:


- A verdade é que chegamos. Mesmo que chova, ou fique quente, estarei protegida em minha casa. Muito obrigada pelo passeio, viu?


Mas...mas... Como é que pode? O infeliz, enquanto ela proferia tais palavras, pensava em beijá-la sem mais nem menos, à todo instante. Obviamente, só pensava. Entretanto, após aquele viu, tão amigavelmente estúpido proferido por ela, ele não teve dúvidas: era melhor calar-se. Ao mesmo tempo em que ele se calava, ela se chicoteava internamente. Como é que podia ser tão fraca e medrosa? Como isso era possível? E ele se perguntava. Como é que posso ser tão lento? Tão envergonhado e complexado para com meus sentimentos? 


No meio dessa confusão toda de sinapses, o carro parou. Então eles se olharam. Coraram. E aconteceu: se beijaram. Ela o beijou na face direita. Ele a beijou na face esquerda. Aquele velho e conhecido cumprimento amigável. Tchau pra cá, tchau pra lá. E, em uníssono, gritaram ao mesmo tempo. Um grito inaudível. Um berro estritamente pessoal. Mental. 


- Como sou burro/a! 


Três horas depois, se relacionavam como namorados de décadas. O típico sono dos solteiros eternos: recheado de sonhos não concretizados.

terça-feira, 13 de março de 2012

                                             Relato de sadismo


         Indecisão: estado de espírito com uma pitadela de cafeína. Afinal, as noites que se passavam não eram mais como aquelas anteriores, aquelas da infância. Não que ache o passar dos anos razão para insônia. Longe disso. É que, na verdade, é com o envelhecimento que adquirimos os problemas. Aqueles infelizes fatos que prendem as sinapses cerebrais. Aliás, vejo grande semelhança entre o cérebro e os mares bravios. Ondas difusas de pensamentos que confluem em direção ao caos. Você agora pode estar pensando, que este que escreve, trata-se de mais um daqueles depressivos, presos atrás das grades da infelicidade. Engana-se. Sempre dei risadas. Jamais me encontrei absorto na tristeza. Entretanto, esses últimos dias, têm, realmente, atrapalhado o fluxo habitual de minha vida. Darei-me o luxo de voltar um pouco no passado e dizer, a você que lê, o ápice. O topo da insanidade. Esta que, infelizmente, me pertence.
        
        Dez de fevereiro. 10. Uma dezena. Esses dois números, ditos binários, representam  o sucesso em grande parte do planeta. E o meu insucesso.
        Luíza, garota doce e comunicativa, era uma das melhores pessoas que havia encontrado. Talvez por isso que sempre a queria por perto. Para ter a prioridade de seus olhos tão sublimes. Não sou desses que desvalorizam uma mulher. Pelo contrário. Enalteço aquelas que julgo serem merecedoras de enaltecimento. E Luíza, indubitavelmente, era merecedora. Cabelos sedosos. Olhos escuros. Cores da sombra. Um jeito de andar todo singular, e o principal: uma das vozes mais melodiosas que já ouvira. Apenas um único defeito: o poder natural da atração.
       Aquele singelo bater de cordas era o que mais chamava a atenção. Luíza era um sucesso da música. Não da fama. Da música mesmo. Era conhecida apenas no bairro e na escola. Mas era o meu sucesso. Digamos que eu a admirava. Uma admiração desvinculada de moderação. Digamos, novamente, que os que admiram têm os seus delírios. Seus ápices de loucura. Dia dez havia sido o dia.
       Ela estava lá. Na típica roda. O círculo das canções. Da reunião amigável. Ela, o foco das atenções. E eu, observava a distância. Admirava com ostentação. Apreciava banzado. Via aquilo que queria. O belo. E o feio. Era triste ver toda aquela popularidade que esbaldava. E horrenda a possibilidade. Aquela dos sentimentos. Dos sentimentos possíveis entre ela e o garota que esta julgava merecedor de seus olhares enquanto entoava suas desconcertantes canções. Mas, tudo era suposição. Fatos incertos que tiravam-me sal do corpo. Gotas de suor representantes do que é a dúvida. A indecisão das incertezas.
       Infelizmente, quando ostentamos, acabamos convergindo ao fanatismo. À epiderme fria, digna de ser rasgada. A possibilidade da loucura. E Luíza me fez um louco. Me fez ser visto como um louco. No dia dez ela lá estava. No ritual habitual. Nas olhadelas desinibidas àquele garoto insosso. E eu distante. À poucos metros, na verdade. Mas decidido. Decidido a saber a verdade. Era aquele cidadão o responsável pelo furto de minha pérola. Seria a prova real. 
       Em questão de segundos, levantei-me tranquilamente do banco central. O intervalo de espaço entre onde me sentava e onde ela sentava, era curto. A caracterização típica do desesperado, do incriminado, eu não possuía. Estava seco. Sem lágrimas, suor, ou qualquer líquido corporal que me desmascarasse. Afinal, não era um crime. Era a afirmação de uma incerteza. E acredito que, toda incerteza, merece evoluir para a certeza. 
      Um. Dois. Direito. Esquerdo. Um sopro de morte. Uma frase de consolação. ''Acalme-se Luíza. Isso não irá acontecer novamente.'' Livre. Sem peso algum. Risquei-a com a lâmina do que era a minha prova. Depois do corte singelo, focado, anatomicamente cirúrgico, perdi o contato com os olhos de Luíza. Passei a observar o que atormentava-me a tanto. Era óbvio. Se ele ousasse chorar, teria a certeza que o amor havia se consumado entre eles. Se ele tivesse coragem de mostrar-se triste, morto-vivo, concretizaria a evolução de minha certeza. E ele chorou. Gritou. E eu sorri. Um sorriso advindo do ódio. E da confirmação. Um sorriso preso há muito. Um mostrar de dentes com gosto de vitória. Afinal, lá estava a prova. Ele mostrou-me o que há tanto imaginava. A relação entre Luíza e ele havia se iniciado. Contente, absorto na satisfação, me dirigi ao lugar de onde há segundos havia me levantado.
      Me chamo Eduardo. Tenho dezessete anos. E tenho a satisfação, o gozo interior de dizer-lhe: a certeza de minhas intuições, sadicamente, é o remédio que me acalma.   

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012


                                                          Alice


Sexta-feira. Não é uma simples sexta-feira. É chuvosa. Dessas que vêm com raios e trovões. Nada mais adequado para o dia. Depois de uma longa semana de carnaval, reina-se a paz dos estalidos feitos pela água. A tranquilidade do gotejar. Carnaval esse que, se não foi o melhor, considerarei memorável. Engraçada essa palavra. Memória. É como se quem a inventou estivesse unindo 2 outras palavras: mente e estória. Estórias da mente. E nesse momento, aqui há muitas estórias. Nem boas nem ruins. Apenas estórias. Dessas que você guarda pelo simples fato de guardar. Então, contar-lhes-ei uma delas. 


A turma estava reunida. O trio estava em alto e bom som. O elétrico eu falo. Bebidas, pessoas, ou seja, festa. Mas carnaval é diferente. Tem aquele mito da ''pegação''. Aquela grotesca vontade de agarrar meio mundo pelo simples fato de agarrar. Sejamos francos. Não há graça nisso. Momentaneamente pode-se estar subjugando o corpo à simples prazeres da carne. Mas o intelecto, o conhecimento social mesmo, fica extinto. Mas tudo bem... cultura... E lá estava eu. No meio daquela multidão em frenesi. Uns enlouquecidos pelas músicas agitadas. Outros pelas bebidas. E ainda aqueles que se agitam pelo simples fato do colega ao lado estar agitado devido a um dos quesitos anteriores. Confesso não ser agitado. Acho que sou o milho da pipoca. Se a brasa realmente não for quente, não estoura. Se a festa realmente não for empolgante, não banco o imbecil. Entretanto aquela estava com animação considerável. Pessoas feias e bonitas. Ricas e pobres. Pessoas que nem caracterizamos. Cidadãos da farra. Vai e vem pagão. E eu fui. Rumei até o bar pra saciar a sede. Você vai naquela meio dançando, meio observando. Contente. Copo na mão, no meio do povão. Mas, os olhos nos proporciona peripécias. Não que um cego não possa alcançar o ápice da magia humana. Mas convenhamos. Ah, os olhos. Os meus logo focaram aqueles belos e castanhos. Mouros. Se você não entende porque mouros, sinto pena de tal déficit em seu intelecto. Pois olhos mouros não são simples olhos. É beleza enrustida de belo. Exotismo contido na face. Senti aquela sensação que poucas vezes sentimos. Foram meros segundos, mas memoráveis. Parecia uma situação típica de congelamento. De sugar todas as ações e passar as horas apenas observando. Engrandecendo o simples fato de seres desconhecidos se olharem fixamente. Contudo, pra seguir o rito, caminhei em direção onde encontrava-se a turma. Mas todo aquele ânimo festivo transformara-se. Eram sinapses e mais sinapses engajadas em refazer à todo momento a mesma cena de segundos atrás. Sei que soa algo ostentador demais. Mas era digno de ostentação. Continuava ali. Parado. Mas correndo. Correndo nos pensamentos. Absorto na complexidade dos fatos mais simples. E se você for um daqueles obsessivos compulsivos pelo romantismo, sabe que não poderia ficar ali estático; apenas preso nos pensamentos tortos e fantasiosos. Um passo pra lá e mais dois pra cá. Vento aqui, vento acolá. Vozes, berros... Mas onde estava meu par de olhos? Como é amargo o sabor da procura em vão. Ainda mais amargo quando procuramos algo nunca antes encontrado. Mas o desespero pertence aos fracos. Nada que alguns minutos intensos de procura não curasse toda a invalidez que me percorria as veias. Assim como a onça demora a encontrar seu alimento, demorei. Custoso. Mas prazeroso. Não obstante a isso, ao gozo da conquista, era prazeroso ver aqueles olhos novamente. Se eu disser que ela me olhava, estarei mentindo. Se eu ousar falar que mostrava estar a admirando, minto novamente. Sabe essas pessoas que você admira, admira e... admira. Simplesmente admiração sem instinto de posse? Pois é. Estranhamente era o que me pertencia. E assim foi. A noite toda. Onde ela ia, eu vagarosamente e de maneira sorrateira ia atrás. A primeira noite findou-se e trouxe-me o sono. Queria ter a certeza de que o outro dia, ao menos o nome eu saberia. Se bem que não tinha informações nem se aquela que procurava estaria presente onde eu estaria. A noite chegou e com ela minhas esperanças de um novo encontro. Desses que não precisam de dois. Mas de apenas um. Ela não precisava de mim. Porém eu dela. E foi assim. A achei novamente. E todo aquele ritual da noite anterior prevaleceu novamente. Pode dizer que sou um fraco. Um medroso. Mas estará cometendo um triste engano. Aquele que platoniza, inconsequentemente, não realiza. E foi assim mais uma noite. Pulemos a parte do sono. Vamos para a noite do dia próximo. A triste e temida última. E o detalhe: a última naquela cidade. Sem mais delongas, encontrei-a esbelta e elegante. Uma pausa para um desabafo. Quem vai em um carnaval elegante? Quem esbanja classe com músicas de funk entupindo as passagens do ouvido? Não rias de mim. Se a visse, haveria de concordar. A minha perseguição era algo doentio. Doença do encanto. É triste falar assim.Mas há encantos que nos são mais enfermos do que alegres. E naquele momento, sem saber nome, cidade, absolutamente nenhuma informação sobre aquele ser de ar tão mouro, me tornava enfermo. Juro que decidi ao menos saber o nome. Ao menos poder dizer: ela se chamava... Mas o destino, quando não quer, impede. Destino uma ova. Foi pura e simplesmente minha culpa. Mas tudo bem. Era final da festa e engajei-me na descoberta. O nome. Ela estava lá, no mesmo lugar que a havia visto pela primeira vez. Era apenas questão de cumprimentá-la e dizer-lhe as singelas palavras: qual o seu nome? Mas, coloque-se no meu lugar. Era uma situação difícil. Parecia tão madura. Uma jovem de valores, julgando pelas vestimentas e atitudes carnavalescas. Mais velha, sem sombra de dúvidas. Mas era o momento! Caminhei! Corri! Voei! Em vão. Entorpecido, fiz minha escolha. Rumei à esquerda quando ela se encontrava à direita. Para cima quando ela se encontrava abaixo. Houve aquela desistência. Aquele pessimismo. A santa ignorância do platonismo. E foi assim. Ela suavemente foi-se embora. Eu, inerte no lirismo da coisa, embasbaquei-me. A perdi para sempre e nem ao menos soubera seu nome. Me disseram que ela tinha cara de Patrícia. Mas quem é fulano pra me dizer que cara ela tinha? Para mim, era Alice.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

                                                     Fim de noite...


(A) -Mas por quê você admira tanto Dom Casmurro?
(B) -Uma maneira interessante de tratar o amor.
(A) -E você compartilha dessa visão?
(B) -Creio que sim. 
(A) -E que visão seria essa?
(B) -O amor, se profundo ao extremo, torna-se uma doença; uma obsessão enferma, que poucos tem a capacidade de controlar à base de ''remédios''...
(A) -Remédios?
(B) -Artifícios que controlem ciúme, egoísmo e insanidade.
(A) -Acho que talvez qualquer amor extremo esteja fadado ao fracasso. Deve ser por isso que nos grandes romances, os apaixonados não podem ficar juntos...
(B) -Acho que o amor extremo mal controlado. Nos romances sempre são pessoas emocionalmente ''quentes'' demais. Acho que fracassa devido aos próprios personagens. Até porque o amor extremo jamais desiste... não é passageiro, sabe? Por isso é dito extremo.
(A) -Não acho que uma pessoa morna demais possa atingir algum extremo. E concordo, o amor extremo nunca passa. Mas o meu professor de filosofia costumava dizer que nada exagerado era bom. Mesmo o amor. O amor quando atingia o extremo se tornava um problema. E é verdade. Acho que quando você ama alguém sem limites, você acaba se anulando.
(B) -Acho que amores extremos só dão certo quando são recíprocos.
(A) -Concordo... Embora acho que quando ambos estiverem na mesma extremidade, o problema deles será com o mundo.
(B) -Acho que o mundo torna-se interessante aos olhos dos que amam ao extremo e são correspondidos na proporção almejada.
(A) -Mas não acho que o mundo está preparado para algo assim...Nem mesmo as pessoas são preparadas para amar com tal intensidade. Até porque, se estivessem, já teriam escrito romances que dão certo...
(B) -Discordo. O mundo clama por isso. E tais romances já foram escritos. Entretanto os descrentes os chamaram de contos de fadas...
(A) -Isso foi bonito.
(B) -Então vamos dormir ao som da beleza de tais palavras. Boa noite.
(A) -Boa noite.




sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

                             Cães humanos. Humanos cães.


Sonho. Engana-se você que pensou tratar-se de um texto sobre aquelas guloseimas que compramos nas padarias. Também não está menos enganado aquele que acreditou tratar-se de palavras sobre essas aspirações que os seres humanos têm na vida. Na verdade, meu desejo real é compartilhar a experiência mental que tive durante meu sono da noite passada.


Eram umas dez, onze horas... Não me lembro ao certo. O que recordo com destreza é que era hora de dormir. Segui meu ritual rotineiro. Banho. Dentes. Escova. Pijama. Cama. Poderia forçar uma oração para engrandecer meu espírito de bom moço perante você que lê. Mas, convenhamos. Religião não é meu forte. Não que não creia em um Deus todo poderoso. Apenas não tenho o costume da reza. Pois bem. Fechara os olhos e confiara em mais uma bela e tranquila noite de sonhos. Ah sim. Minha mente anda sonhadora. Cria, descria. Minhas noites tornaram-se verdadeiros luaus de contos. Confesso não me recordar por inteiro de tal sonho. Confesso, novamente, que preencherei os vazios de minha memória com um pouco de estória. Uma vez mais, confesso... Ah! Chega de confissões. Afinal, você, leitor, não é padre, é? Quem sabe. Que comece meu relato sonífero de sonho.


Eu me encontrava deitado, estirado, em uma calçada. Não muito suja, não muito limpa. Calçada. O movimento era, relativamente, intenso. Ao meu lado, um velho. Desses velhos que você, indubitavelmente, percebe o descaso da vida. Da vida para com ele. Dele para com a vida. Atrás, uma loja de aparelhos domésticos, abastada de dizeres: ''Promoção!'', ''Apenas $!'', blá, blá, blá. Aquelas típicas palavras de marqueteiros. A rua à frente, empesteada de automóveis. Peço licença para questionar o nome automóvel. Que é móvel sim, não há o que discordar. Mas auto? Quantos carros você já viu trafegando sem motorista? Se ainda os veículos tivesses uns dois metros de altura, poderíamos até aceitar um ''altomóvel''. Mas auto? Ah. E quem se importa, não é mesmo? Pois bem. Estava eu, o que me parece, na morada de um mendigo. Tinhas uns cobertores ao meu redor. Entretanto, o engraçado mesmo   foi perceber o que eu tinha. Foucinho ao invés de nariz. Pelos em abundância. Voz que emitia apenas ''Au'', ''Argh'', ''Uhl'', não sei como soa o latido de um cão aos seus ouvidos. E rabo. Era isso o que tinha. Como pode ver, de humano à cachorro. Fiquei maravilhado com a vida de animal. Era simples e fácil. Inveje-me agora. Sabe quando dá aquela vontade tenebrosa, aquele aperto urinário? Pois é, sendo cachorro, isso era o de menos. Postes e mais postes eram meus banheiros privativos. Trabalho? Só se fosse o de acordar os mendigos à lambidas. Estava mil maravilhas. Já começava a gostar da vida de cão. Era fácil. Mas difícil. Pois assim como o sol se esconde para a vinda da lua ou vice-versa, sem mais nem menos, repentinamente algo me atacou. Fome. Sede. Até mesmo uma certa solidão. Afinal, eram tantos transeuntes sem o menor interesse no vira-lata faminto sedento por água. Andava. Aumentava. Parava. Triplicava. Essa é a gangorra de um lado só da fome canina. Comecei a pensar se era mesmo interessante aquele modo de viver. Acabei encontrando umas poças d'água pela rua. Eu, naquele nojo humano ainda presente na mente, hesitei. Cedi. Não há meios de resistir à desidratação. Caminhei um pouco mais e parei. A fome me tomava. E um chute me tocava dizendo ali não ser o meu lugar. Fui percebendo as dificuldades e entendendo a sofridão, quando meu sonho mudou. Sim, sem mais nem menos, tudo se transformara. Era uma espécie de aldeia, comunidade, não sei bem. Garanto que era um ambiente reprovável para se morar. Uma coisa era certa, parecia estar no continente africano, tamanha pobreza. Acabara de ser cão e agora era provavelmente um africano mirrado e fraco. Entretanto, apesar da troca de cenários, percebi que pouca coisa mudava. Ainda sentia fome e sede. Crianças urinavam a céu aberto, já que não haviam postes. Era um ambiente que sofria pelo descaso. O mesmo descaso dos cães de rua. O descaso social! O despertador, ignorantemente entrou em ação. Me retirou o sentimento de agonia que me tomava, contudo seria interessante observar um pouco mais.  Levantei-me. Pensei. Respirei e refleti. Há cães humanos. Há humanos cães. Meu cérebro havia me dado uma lição de moral na noite passada. Então, me vesti e segui minha rotina. Afinal, embora tenhamos tudo aos nossos olhos, não temos nada em nossos atos. E assim a vida prossegue.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

                                      Mania de elevador

Habitualmente, as conversas de elevador são rápidas; simplórias. Cheias da boa educação e do cavalheirismo para com a dama. E da boa vontade para com o cavalheiro. Aperta-se um ou dois botões. A porta se abre e, como de costume, sorriso pra cá, sorriso pra lá. Cada um segue sua vida. E isso é tão de praxe, que qualquer mínimo detalhe se sobressai no meio dessa polidez toda. Sobressaiu. Há alguns dias havia marcado de ir ao dentista. Situava-se num pequeno prédio. Sem graça... metido à edifício, mas que não passava de prédio pequeno. Pois bem, no dia marcado, acordei, fiz os deveres e rumei. Atravessei a rua. Cumprimentei o porteiro, e caminhei para o elevador. Então a porta abriu. Entrei e esperei. Na pequena longa espera.Convenhamos. Elevador é uma máquina gozada. Veloz, mas tão lenta. Prossigamos. Na ''viagem'', reparei que havia mais dois passageiros ''à bordo''. Ambos aparentemente nervosos. Um deles com um belo relógio de pulso. Tão vistoso, mas sem alguma função. Totalmente imóvel. Parado. O outro, com o maço de cigarro parcialmente à mostra no bolso da camisa. Bem, daí saem algumas conclusões. O primeiro, certamente conhecia o fato do relógio estar estagnado. Parado. Há de concordar comigo... qual pessoa que não percebe o silêncio dos ponteiros? O sumiço do tic-tac monossilábico? O outro, um viciado. Fumante de longas décadas. Além do mais, tossia de maneira constante. O que reafirmava meu ponto de vista. Devia ser culpa daquela mania dos antigos, cujo cigarro era visto como status social, já que ambos eram da meia idade. 
O do relógio, então, quebrou o silêncio. Bom dia! E em uníssono, todos responderam o mesmo. Era a deixa para a constatação de minhas observações. "Senhor, acho que seu relógio parou...'' Aquela velha mania de supor algo para alguém mais velho. Talvez seja educação, costume. Mas de praxe, com velhos sempre achamos. Pois bem. '' E não é que está parado mesmo! Relógio para quê sendo assim? '' Aquele velho sorriso maroto. De educação. De complacência. Ou, quem sabe, de um: você não tem nada haver com isso seu insolente! Não leio pensamentos. Entretanto, todos ''sorriram''. ''Cof''. Mais tosse. ''Senhor, me perdoe, mas acho que deveria parar de fumar. Essa tosse deve realmente incomodá-lo!'' Já que o momento era propício. Parecíamos velhos amigos na beira do mar falando dos defeitos um do outro. Ou melhor. Eu falava dos defeitos. Detalhes, melhor dizendo. O do maço me respondeu então. ''Ah jovem. O cigarro não é meu. Meu chefe pediu pra comprá-lo, e lá foi o velho!'' Fez gracejos com a testa, em sinal de ''Ah garoto, você errou!'' e mandou outra frase encobrindo a já proferida: ''Quanto a tosse. Essa realmente incomoda. Mas como cantei ontem no bar ali da esquina, voz de velho não aguenta mais. Esse é o resultado...'' Que beleza! O do relógio era apenas um despercebido. O do cigarro, era, quem sabe, o galã musical das vovozinhas. E eu... quem eu era? O que julgava conhecer detalhes da vida de alguém baseado, copiosamente, em detalhes. O elevador se abriu e saímos com as cordiais despedidas. Ainda gosto de ver cada peça escondida das cenas que vivo. Cada passo ou gesto diferente que me leva à conclusões. Contudo, depois dessa situação,tentei me precipitar um pouco menos. Ainda tento, já que essa mania de elevador insiste em me perseguir. Afinal, embora os detalhes sejam contrastantes, insinuantes, repetidamente cativantes, geralmente sobressaem só os que gostaríamos de ver. Quem se prende às pequenas coisas deve ser louco apaixonado. Discípulo da monotonia.Ou vá lá...apenas alguém que goste de observar, como eu. Você. Lembre-se disso quando entrar no próximo elevador. Repare à sua volta e tire suas conclusões! Tem uma certa diversão nas possibilidades do erro e do acerto. 

Só pra constar. O do relógio vestia branco e tinha grafado em seu paletó: Dr. Osmar Dantas. Só fui reparar quando sentei-me à cadeira do dentista.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

                                                        Duelo 99


A idade vem chegando. Os anos vão passando. Parece que as pernas sentem o peso das primaveras. Também, são tantas folhas que caíram... Hoje vi meu - já nem sei mais o ordinal que o representa - parente morrer. Morreu. Bateu às botas. E eu aqui. Noventa e nove anos. Nove nove. Em cada perna. Mais vivo do que nunca. Claro que sou ficção. Sou apenas uma ideia desse escritor meia boca que vos escreve. Entretanto, mesmo que irreal, represento uma parcela da realidade. Há pessoas e mais pessoas próximas do centenário. Me pergunto... o quão bom é chegar aos cem anos? Será que realmente compensa adiar a morte, permanecer na sociedade, vegetar nos vegetais do quintal lá de fora? É viável fechar a tampa do caixão de todo mundo, menos a minha? Pelo que vivi, sofri e sorri, acredito que seja. Creio que viver é, antes de mais nada, melhor do que morrer. Apesar que esses dias conversei com um falecido amigo meu... disse que não se queixava muito do jeito que morreu.... ataque fulminante, direto no coração...rápido e sem graça. Ei. Espere. Como vivo fala com morto? O débil, escreva isso aí direito...


-Acalme-se personagem ranzinza! Escrevo do jeito que quiser. Se quero te colocar falando com morto, eu posso. Eita esclerose.


-Ei! Mais respeito com suas ideias.


-Tudo bem vai. Retiremos a parte do falar com um morto. 


Bem, onde estava mesmo. Ah. Desculpe-me. A memória já é fraca sabe... Apesar que lembro da infância como se fosse ontem... Época de garoto. Futebol, gude, subir em árvore...


-Leitor... não dê trela a este senhor...tape os ouvidos que essa história da infância é muito longa pra explanar aqui...


Aquela foi minha infância...


- Obrigado por tapar os ouvidos... isso me poupa palavras...


E hoje aqui... à base de remédios e rapazotes de branco que se acham os deuses da cura. Cambada de ignorantes. Não morro porque comi muito ovo cru. Muita feijoada. Não por causa dessas químicas aí... Bem. Pra falar a verdade.... acho que minha hora está chegando. Sinto que aproveitei tudo com louvor. Garotas, comida e diversão. Tudo me foi válido. Até o sofrimento das tantas perdas me foi válido. Gostaria apenas dizer que aproveitem muito essa vida. Mesmo que as coisas não deem certo, fiquem calmos. Tranquilidade reina sob o império da paz. Pode ter certeza. O segredo de uma vida longa, é a paz. Nunca matei ninguém. Nunca sequer briguei com alguém.Isso já me eliminou possibilidades de morte. Nunca dirigi. Eu sei, isso é coisa de velho. Mas nunca morri por acidente. Nunca bebi, fumei, nada disso. Tomei uns ''gorózinho''... mas coisa leve. Nada que me atacasse o fígado. Por isso nunca tive doença das graves. Você, que faz tudo isso ao mesmo tempo. Inveje-me. Não vai passar dos nove nove jamais. Escute o que falo. A voz da experiência comanda. Não há nada mais intenso do que viver. Portanto, esqueça essa coisa de ''antes dez anos intensamente do que cem monotonamente.'' Te garanto. Em cem anos de vida, até o monótono pode ser intenso. Sei que não vou chegar ao cem, porque vou morrer daqui poucos minutos. ( Esse preguiçoso de uma figa que me tem na cabeça quer dormir...) Mas antes de sumir nessas sinapses confusas, quero deixar um recado. Viva. Fuja do que te retira o ar. Escape da foice maldita. Independente do que aconteça. Viver é o melhor remédio para o próprio viver. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

                                            Suco?


Vermelho. Alguns meros segundos que parecem conter a eternidade. Um carro, sinônimo de certa condição social, parado. Meu carro. Aquela velha espera incômoda do sinal de trânsito. E, para piorar, os malditos ''andarilhos'' a venderem bugigangas enquanto espera-se o momento do piscar verde. Estava lá. O primeiro da fila de espera. De repente, com passos miúdos, vem em minha direção. Maltratado pelo descaso. Participante da brincadeira do esconde-esconde social. Entretanto, me inspirava um ar de respeito. 


 - Tio... compra um suco? Esse é natural! Da laranja mesmo...
- Garoto, você tem pai?
- Talvez...


Talvez? É óbvio que tem um pai. Nasceu de um ovo? Mas, o que significa ter um pai? Julgo que era alguém sozinho nesse mundo. Me interessou. 


- Garoto, você tem mãe ? 
- Quem sabe... Vamos tio, vai comprar?
- Mais uma pergunta, o sinal vai abrir... você sabe o que quer na vida?


Era extensa a rede de respostas a se obter. Era fácil ouvir qualquer : ''ser rico'', um mero '' ter pai, mãe'', e o clichê dos clichês '' carinho e amor moço''. Contudo, aquele garoto... ah... aquele garoto. Tinha um olhar diferente. De respeito, mas de independência social. De senhor da terceira idade. As ruas podem lhe ter transformado. Ou melhor, quem disse que era das ruas? Não sei... Me encantou. Por que? Olhe a resposta que me deu...


- Tio, no momento quero que compre meu suco... o sinal realmente vai abrir.


Essa é a essência. De uma gama de possibilidades, aspirar apenas o simples. Pode parecer uma situação tola e desinteressante. Entretanto, mostra muito mais do que podemos ver. Mostra que, independente do que se passa em nossas vidas, o presente é o que importa. A humilde criança poderia querer resgatar uma história perdida em seu passado. Poderia aspirar um futuro típico de fim de novela. Mas não. Quis o simples. Apenas algumas moedas e um suco a menos. Tiro uma lição de vida do acontecido. Independente do que aconteça, ande no hoje. O passado não volta e o futuro não foi. Faça com que o agora aconteça. Lhe dei o dinheiro e saí pensativo. O suco era horrível. 
                                                    Desassossegue!      

Talvez não termine esse texto do modo que desejo. Se isso acontecer, será interessante. Até porque, na vida tudo é incerto. E quando as coisas saem como o planejado, não há outro qualificativo mais adequado do que... interessante. Entretanto, estou certo, avaliando os anos que se passaram, que cumprir metas é algo de certa dificuldade. Há anos prometo coisas, situações, perdões e safanões. Há anos vejo minhas promessas não serem cumpridas. Não faça julgamentos de minha pessoa. Não sou desses sem palavra. O que julgo ser possível cumprir, eu cumpro. O entrave maior é que, inocente e utopicamente, vivo no impossível. Quem é o tolo afável que aspira amor ? Deseja o bem? Torce pela sabedoria universal ? Sacode a poeira do mal ? Ninguém cumpre metas tão supostamente complicadas com facilidade. Oras, que falta de vocabulário mais insano. É claro que o difícil não é cumprido pelo fácil. Pois se engana! Nosso pensamento é sacana. Levado. Um safado desnaturado. Digo isso baseado nos fatos. Quem nunca complicou o descomplicado? Quem jamais exagerou o simples? Você já fez isso. Ah, certamente já fez. Acalme-se. Também fiz. Faço. Farei. Aliás, por que não fazer? É de graça, mas pode custar caro. As bocas que trafegam por aí andam dizendo... anel de ouro vale mais do que de coco. Ou seja, o valor está no preço. Portanto, alvoroce o sublime. Despenteie o cabelo em frente a um espelho. Corte fios aleatoriamente. Pegue-os do chão e os cole em sua cabeça novamente. Verás como a dificuldade para um bom penteado aumentará. Seria um máximo. Nada mais divertido. Faça isso com as relações pessoais. Vire-as de cabeça para baixo. Acalme-se. Não estou rogando conflitos famigerados em sua família. Peço apenas que saia da rotina. Complique de uma maneira espalhafatosa. Jogue para o alto aquelas algemas do habitual que lhe prendem. Seja promíscuo. Saia da ordem natural das coisas. Ofereça parceria ao mendigo que esmola pinga. Vá. Faça tin-tin com alguém que deve passar a vida palpada em solidão. Torça para a chuva aparecer. Se ela vier, corra de seus pingos. Enfrente-os como se fossem tiros. Verás como é divertido ser atingido por tiros d'água. Sorria de como está agindo como um verdadeiro bobalhão. Mas garanto que os filmes de comédias são os melhores. E seus atores principais sempre são bobalhões. Me arranca suspiros pensar nessa fuga de rotina. Peço desculpas a mim mesmo. Raramente saio dessa triste e insistente forma de viver. Flácida e jocosa. Porém, sei que há pessoas diferentes nesse mundo. Me parece ter conhecido uma há alguns dias. Suspeito que se procurar, irá também encontrar. Contudo, tenha a malícia de ser procurado. Agarre a oportunidade de ser o encanto, não o encantado. Seria uma façanha. Tente. Independente do resultado. Já perdi a noção com quem estou falando. Talvez esteja dentro de minha mente. Só lhe peço uma coisa. Desassossegue. Combata essa monotonia que vem consumindo o mundo. Gire. Vire. Pire.  

terça-feira, 3 de janeiro de 2012


            Bocas fechadas também fazem entrar mosquitos...

Tom era um jovem de vinte e poucos anos. Embora novo, longe do auge de sua maturidade, desde pequeno tomou suas próprias ‘’decisões’’.
 - ‘’Quero a branca’’. ’’ Flocos’’. ‘’Flamengo’’.
Sempre sério e austero, sabia o que era o melhor para si. E ai de quem resolvesse opinar! Contrariá-lo era pior que mexer com fogo.  Foi crescendo e, junto com os ossos, cresceram sua autoconfiança e seu poder de decisão. Fez amigos e mais amigos. Namorou meninas e mais meninas. Mas parecia que Tom era transitável. Nunca dava certo com ninguém. Sua mãe o instruía. Simplesmente por ser um ato reflexo de mãe, já que nada impedia o filho de fazer o que queria. Seu pai, embora fosse inteligente por demais, sempre acabava sendo rebaixado pela prepotência e arrogância do ‘’sabia-tudo’’ Tom.  Em determinado dia, o rapaz apareceu levemente alterado. No dia seguinte, são. Uma semana depois, num sábado – ou domingo, confesso que estou a inventar datas, já que essa etapa nunca foi o meu forte – dormiu fora de casa. Um homem de vinte e poucos anos é natural dormir longe da própria residência algumas vezes. Certo, prossigamos. Em um período de dois meses, Tom havia mudado por completo. De revolucionário andante a pacato cidadão. De sagaz e decidido a inquieto e marrento. Certamente, preocupou os pais, familiares e pessoas mais próximas. Porém, como criou-se o mito ‘’ não indague Tom, você sabe que ele não gosta...’’ , ninguém teve a coragem de instigá-lo a mostrar o que acontecia em sua vida.  Hoje, Tom, que pesava aparentemente não mais que oitenta quilos, pesa mais de duzentos. Cento e vinte quilos a mais de pura terra. Um pouco mais um pouco menos. É difícil estimar o peso que pressiona a cabana dos mortos. Tom havia se tornado viciado em heroína. Sempre soube dos desencantos da vida. Sempre entendeu o mundo ao seu redor e buscava suas aspirações. Contudo, o simples fato de achar-se o mais decidido do mundo, o fez acreditar que não seria afetado. Afinal, sabia que sabia parar. Ao menos acreditava nisso assim como acreditava que o sorvete de flocos era o mais gostoso quando criança. Como acreditava que as roupas brancas lhe caíam melhor. Como sabia que o Flamengo era o seu time de coração.  E seus pais e pessoas próximas imaginavam que, o simples fato de Tom pensar saber tudo, bastava para sua criação. E hoje ele está lá. Lá mesmo. Nada de cá. Tão longe que há pessoas que demoram mais de cem anos para chegar ao fim de tal viagem. E sabe por que isso tudo aconteceu? Apenas porque houve o medo das pessoas. Receio. Se tivessem perguntado a Tom o que lhe acontecia, talvez saberiam que ele havia perdido emprego. Namorada. E a vontade de viver. Mas, sabe como são os humanos. Cheios de vergonha. Ansiosos para que todos resolvam a própria vida. Entenda. Ajudar não cansa. Perguntar não fere. Esclarecer não destrói. Uma vida poderia ter sido salva. Pense nisso como eu ando pensando. Olhe para a pessoa que senta ao seu lado. Pergunte como vão as coisas. Indague. Ofereça-se. Fazer o bem, convém. Diálogo e sabedoria. Com um pouco de cada, não há quem fique pra trás. Com um pouco de cada, não há quem não possa escorar o passo do próximo. Até porque, bocas fechadas também fazem entrar mosquito. Tom está cheio deles agora.