Duelo 99
A idade vem chegando. Os anos vão passando. Parece que as pernas sentem o peso das primaveras. Também, são tantas folhas que caíram... Hoje vi meu - já nem sei mais o ordinal que o representa - parente morrer. Morreu. Bateu às botas. E eu aqui. Noventa e nove anos. Nove nove. Em cada perna. Mais vivo do que nunca. Claro que sou ficção. Sou apenas uma ideia desse escritor meia boca que vos escreve. Entretanto, mesmo que irreal, represento uma parcela da realidade. Há pessoas e mais pessoas próximas do centenário. Me pergunto... o quão bom é chegar aos cem anos? Será que realmente compensa adiar a morte, permanecer na sociedade, vegetar nos vegetais do quintal lá de fora? É viável fechar a tampa do caixão de todo mundo, menos a minha? Pelo que vivi, sofri e sorri, acredito que seja. Creio que viver é, antes de mais nada, melhor do que morrer. Apesar que esses dias conversei com um falecido amigo meu... disse que não se queixava muito do jeito que morreu.... ataque fulminante, direto no coração...rápido e sem graça. Ei. Espere. Como vivo fala com morto? O débil, escreva isso aí direito...
-Acalme-se personagem ranzinza! Escrevo do jeito que quiser. Se quero te colocar falando com morto, eu posso. Eita esclerose.
-Ei! Mais respeito com suas ideias.
-Tudo bem vai. Retiremos a parte do falar com um morto.
Bem, onde estava mesmo. Ah. Desculpe-me. A memória já é fraca sabe... Apesar que lembro da infância como se fosse ontem... Época de garoto. Futebol, gude, subir em árvore...
-Leitor... não dê trela a este senhor...tape os ouvidos que essa história da infância é muito longa pra explanar aqui...
Aquela foi minha infância...
- Obrigado por tapar os ouvidos... isso me poupa palavras...
E hoje aqui... à base de remédios e rapazotes de branco que se acham os deuses da cura. Cambada de ignorantes. Não morro porque comi muito ovo cru. Muita feijoada. Não por causa dessas químicas aí... Bem. Pra falar a verdade.... acho que minha hora está chegando. Sinto que aproveitei tudo com louvor. Garotas, comida e diversão. Tudo me foi válido. Até o sofrimento das tantas perdas me foi válido. Gostaria apenas dizer que aproveitem muito essa vida. Mesmo que as coisas não deem certo, fiquem calmos. Tranquilidade reina sob o império da paz. Pode ter certeza. O segredo de uma vida longa, é a paz. Nunca matei ninguém. Nunca sequer briguei com alguém.Isso já me eliminou possibilidades de morte. Nunca dirigi. Eu sei, isso é coisa de velho. Mas nunca morri por acidente. Nunca bebi, fumei, nada disso. Tomei uns ''gorózinho''... mas coisa leve. Nada que me atacasse o fígado. Por isso nunca tive doença das graves. Você, que faz tudo isso ao mesmo tempo. Inveje-me. Não vai passar dos nove nove jamais. Escute o que falo. A voz da experiência comanda. Não há nada mais intenso do que viver. Portanto, esqueça essa coisa de ''antes dez anos intensamente do que cem monotonamente.'' Te garanto. Em cem anos de vida, até o monótono pode ser intenso. Sei que não vou chegar ao cem, porque vou morrer daqui poucos minutos. ( Esse preguiçoso de uma figa que me tem na cabeça quer dormir...) Mas antes de sumir nessas sinapses confusas, quero deixar um recado. Viva. Fuja do que te retira o ar. Escape da foice maldita. Independente do que aconteça. Viver é o melhor remédio para o próprio viver.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Suco?
Vermelho. Alguns meros segundos que parecem conter a eternidade. Um carro, sinônimo de certa condição social, parado. Meu carro. Aquela velha espera incômoda do sinal de trânsito. E, para piorar, os malditos ''andarilhos'' a venderem bugigangas enquanto espera-se o momento do piscar verde. Estava lá. O primeiro da fila de espera. De repente, com passos miúdos, vem em minha direção. Maltratado pelo descaso. Participante da brincadeira do esconde-esconde social. Entretanto, me inspirava um ar de respeito.
- Tio... compra um suco? Esse é natural! Da laranja mesmo...
- Garoto, você tem pai?
- Talvez...
Talvez? É óbvio que tem um pai. Nasceu de um ovo? Mas, o que significa ter um pai? Julgo que era alguém sozinho nesse mundo. Me interessou.
- Garoto, você tem mãe ?
- Quem sabe... Vamos tio, vai comprar?
- Mais uma pergunta, o sinal vai abrir... você sabe o que quer na vida?
Era extensa a rede de respostas a se obter. Era fácil ouvir qualquer : ''ser rico'', um mero '' ter pai, mãe'', e o clichê dos clichês '' carinho e amor moço''. Contudo, aquele garoto... ah... aquele garoto. Tinha um olhar diferente. De respeito, mas de independência social. De senhor da terceira idade. As ruas podem lhe ter transformado. Ou melhor, quem disse que era das ruas? Não sei... Me encantou. Por que? Olhe a resposta que me deu...
- Tio, no momento quero que compre meu suco... o sinal realmente vai abrir.
Essa é a essência. De uma gama de possibilidades, aspirar apenas o simples. Pode parecer uma situação tola e desinteressante. Entretanto, mostra muito mais do que podemos ver. Mostra que, independente do que se passa em nossas vidas, o presente é o que importa. A humilde criança poderia querer resgatar uma história perdida em seu passado. Poderia aspirar um futuro típico de fim de novela. Mas não. Quis o simples. Apenas algumas moedas e um suco a menos. Tiro uma lição de vida do acontecido. Independente do que aconteça, ande no hoje. O passado não volta e o futuro não foi. Faça com que o agora aconteça. Lhe dei o dinheiro e saí pensativo. O suco era horrível.
Vermelho. Alguns meros segundos que parecem conter a eternidade. Um carro, sinônimo de certa condição social, parado. Meu carro. Aquela velha espera incômoda do sinal de trânsito. E, para piorar, os malditos ''andarilhos'' a venderem bugigangas enquanto espera-se o momento do piscar verde. Estava lá. O primeiro da fila de espera. De repente, com passos miúdos, vem em minha direção. Maltratado pelo descaso. Participante da brincadeira do esconde-esconde social. Entretanto, me inspirava um ar de respeito.
- Tio... compra um suco? Esse é natural! Da laranja mesmo...
- Garoto, você tem pai?
- Talvez...
Talvez? É óbvio que tem um pai. Nasceu de um ovo? Mas, o que significa ter um pai? Julgo que era alguém sozinho nesse mundo. Me interessou.
- Garoto, você tem mãe ?
- Quem sabe... Vamos tio, vai comprar?
- Mais uma pergunta, o sinal vai abrir... você sabe o que quer na vida?
Era extensa a rede de respostas a se obter. Era fácil ouvir qualquer : ''ser rico'', um mero '' ter pai, mãe'', e o clichê dos clichês '' carinho e amor moço''. Contudo, aquele garoto... ah... aquele garoto. Tinha um olhar diferente. De respeito, mas de independência social. De senhor da terceira idade. As ruas podem lhe ter transformado. Ou melhor, quem disse que era das ruas? Não sei... Me encantou. Por que? Olhe a resposta que me deu...
- Tio, no momento quero que compre meu suco... o sinal realmente vai abrir.
Essa é a essência. De uma gama de possibilidades, aspirar apenas o simples. Pode parecer uma situação tola e desinteressante. Entretanto, mostra muito mais do que podemos ver. Mostra que, independente do que se passa em nossas vidas, o presente é o que importa. A humilde criança poderia querer resgatar uma história perdida em seu passado. Poderia aspirar um futuro típico de fim de novela. Mas não. Quis o simples. Apenas algumas moedas e um suco a menos. Tiro uma lição de vida do acontecido. Independente do que aconteça, ande no hoje. O passado não volta e o futuro não foi. Faça com que o agora aconteça. Lhe dei o dinheiro e saí pensativo. O suco era horrível.
Desassossegue!
Talvez não termine esse texto do modo que desejo. Se isso acontecer, será interessante. Até porque, na vida tudo é incerto. E quando as coisas saem como o planejado, não há outro qualificativo mais adequado do que... interessante. Entretanto, estou certo, avaliando os anos que se passaram, que cumprir metas é algo de certa dificuldade. Há anos prometo coisas, situações, perdões e safanões. Há anos vejo minhas promessas não serem cumpridas. Não faça julgamentos de minha pessoa. Não sou desses sem palavra. O que julgo ser possível cumprir, eu cumpro. O entrave maior é que, inocente e utopicamente, vivo no impossível. Quem é o tolo afável que aspira amor ? Deseja o bem? Torce pela sabedoria universal ? Sacode a poeira do mal ? Ninguém cumpre metas tão supostamente complicadas com facilidade. Oras, que falta de vocabulário mais insano. É claro que o difícil não é cumprido pelo fácil. Pois se engana! Nosso pensamento é sacana. Levado. Um safado desnaturado. Digo isso baseado nos fatos. Quem nunca complicou o descomplicado? Quem jamais exagerou o simples? Você já fez isso. Ah, certamente já fez. Acalme-se. Também fiz. Faço. Farei. Aliás, por que não fazer? É de graça, mas pode custar caro. As bocas que trafegam por aí andam dizendo... anel de ouro vale mais do que de coco. Ou seja, o valor está no preço. Portanto, alvoroce o sublime. Despenteie o cabelo em frente a um espelho. Corte fios aleatoriamente. Pegue-os do chão e os cole em sua cabeça novamente. Verás como a dificuldade para um bom penteado aumentará. Seria um máximo. Nada mais divertido. Faça isso com as relações pessoais. Vire-as de cabeça para baixo. Acalme-se. Não estou rogando conflitos famigerados em sua família. Peço apenas que saia da rotina. Complique de uma maneira espalhafatosa. Jogue para o alto aquelas algemas do habitual que lhe prendem. Seja promíscuo. Saia da ordem natural das coisas. Ofereça parceria ao mendigo que esmola pinga. Vá. Faça tin-tin com alguém que deve passar a vida palpada em solidão. Torça para a chuva aparecer. Se ela vier, corra de seus pingos. Enfrente-os como se fossem tiros. Verás como é divertido ser atingido por tiros d'água. Sorria de como está agindo como um verdadeiro bobalhão. Mas garanto que os filmes de comédias são os melhores. E seus atores principais sempre são bobalhões. Me arranca suspiros pensar nessa fuga de rotina. Peço desculpas a mim mesmo. Raramente saio dessa triste e insistente forma de viver. Flácida e jocosa. Porém, sei que há pessoas diferentes nesse mundo. Me parece ter conhecido uma há alguns dias. Suspeito que se procurar, irá também encontrar. Contudo, tenha a malícia de ser procurado. Agarre a oportunidade de ser o encanto, não o encantado. Seria uma façanha. Tente. Independente do resultado. Já perdi a noção com quem estou falando. Talvez esteja dentro de minha mente. Só lhe peço uma coisa. Desassossegue. Combata essa monotonia que vem consumindo o mundo. Gire. Vire. Pire.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Bocas fechadas também fazem entrar mosquitos...
Tom era um
jovem de vinte e poucos anos. Embora novo, longe do auge de sua maturidade,
desde pequeno tomou suas próprias ‘’decisões’’.
- ‘’Quero a branca’’. ’’ Flocos’’. ‘’Flamengo’’.
Sempre sério
e austero, sabia o que era o melhor para si. E ai de quem resolvesse opinar! Contrariá-lo
era pior que mexer com fogo. Foi
crescendo e, junto com os ossos, cresceram sua autoconfiança e seu poder de
decisão. Fez amigos e mais amigos. Namorou meninas e mais meninas. Mas parecia
que Tom era transitável. Nunca dava certo com ninguém. Sua mãe o instruía. Simplesmente
por ser um ato reflexo de mãe, já que nada impedia o filho de fazer o que
queria. Seu pai, embora fosse inteligente por demais, sempre acabava sendo
rebaixado pela prepotência e arrogância do ‘’sabia-tudo’’ Tom. Em determinado dia, o rapaz apareceu levemente
alterado. No dia seguinte, são. Uma semana depois, num sábado – ou domingo,
confesso que estou a inventar datas, já que essa etapa nunca foi o meu forte –
dormiu fora de casa. Um homem de vinte e poucos anos é natural dormir longe da
própria residência algumas vezes. Certo, prossigamos. Em um período de dois
meses, Tom havia mudado por completo. De revolucionário andante a pacato
cidadão. De sagaz e decidido a inquieto e marrento. Certamente, preocupou os
pais, familiares e pessoas mais próximas. Porém, como criou-se o mito ‘’ não
indague Tom, você sabe que ele não gosta...’’ , ninguém teve a coragem de instigá-lo
a mostrar o que acontecia em sua vida. Hoje, Tom, que pesava aparentemente não mais
que oitenta quilos, pesa mais de duzentos. Cento e vinte quilos a mais de pura
terra. Um pouco mais um pouco menos. É difícil estimar o peso que pressiona a
cabana dos mortos. Tom havia se tornado viciado em heroína. Sempre soube dos
desencantos da vida. Sempre entendeu o mundo ao seu redor e buscava suas aspirações.
Contudo, o simples fato de achar-se o mais decidido do mundo, o fez acreditar
que não seria afetado. Afinal, sabia que sabia parar. Ao menos acreditava nisso
assim como acreditava que o sorvete de flocos era o mais gostoso quando
criança. Como acreditava que as roupas brancas lhe caíam melhor. Como sabia que
o Flamengo era o seu time de coração. E
seus pais e pessoas próximas imaginavam que, o simples fato de Tom pensar saber
tudo, bastava para sua criação. E hoje ele está lá. Lá mesmo. Nada de cá. Tão
longe que há pessoas que demoram mais de cem anos para chegar ao fim de tal
viagem. E sabe por que isso tudo aconteceu? Apenas porque houve o medo das
pessoas. Receio. Se tivessem perguntado a Tom o que lhe acontecia, talvez
saberiam que ele havia perdido emprego. Namorada. E a vontade de viver. Mas,
sabe como são os humanos. Cheios de vergonha. Ansiosos para que todos resolvam a
própria vida. Entenda. Ajudar não cansa. Perguntar não fere. Esclarecer não
destrói. Uma vida poderia ter sido salva. Pense nisso como eu ando pensando.
Olhe para a pessoa que senta ao seu lado. Pergunte como vão as coisas. Indague.
Ofereça-se. Fazer o bem, convém. Diálogo e sabedoria. Com um pouco de cada, não
há quem fique pra trás. Com um pouco de cada, não há quem não possa escorar o
passo do próximo. Até porque, bocas fechadas também fazem entrar mosquito. Tom
está cheio deles agora.
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