terça-feira, 13 de março de 2012

                                             Relato de sadismo


         Indecisão: estado de espírito com uma pitadela de cafeína. Afinal, as noites que se passavam não eram mais como aquelas anteriores, aquelas da infância. Não que ache o passar dos anos razão para insônia. Longe disso. É que, na verdade, é com o envelhecimento que adquirimos os problemas. Aqueles infelizes fatos que prendem as sinapses cerebrais. Aliás, vejo grande semelhança entre o cérebro e os mares bravios. Ondas difusas de pensamentos que confluem em direção ao caos. Você agora pode estar pensando, que este que escreve, trata-se de mais um daqueles depressivos, presos atrás das grades da infelicidade. Engana-se. Sempre dei risadas. Jamais me encontrei absorto na tristeza. Entretanto, esses últimos dias, têm, realmente, atrapalhado o fluxo habitual de minha vida. Darei-me o luxo de voltar um pouco no passado e dizer, a você que lê, o ápice. O topo da insanidade. Esta que, infelizmente, me pertence.
        
        Dez de fevereiro. 10. Uma dezena. Esses dois números, ditos binários, representam  o sucesso em grande parte do planeta. E o meu insucesso.
        Luíza, garota doce e comunicativa, era uma das melhores pessoas que havia encontrado. Talvez por isso que sempre a queria por perto. Para ter a prioridade de seus olhos tão sublimes. Não sou desses que desvalorizam uma mulher. Pelo contrário. Enalteço aquelas que julgo serem merecedoras de enaltecimento. E Luíza, indubitavelmente, era merecedora. Cabelos sedosos. Olhos escuros. Cores da sombra. Um jeito de andar todo singular, e o principal: uma das vozes mais melodiosas que já ouvira. Apenas um único defeito: o poder natural da atração.
       Aquele singelo bater de cordas era o que mais chamava a atenção. Luíza era um sucesso da música. Não da fama. Da música mesmo. Era conhecida apenas no bairro e na escola. Mas era o meu sucesso. Digamos que eu a admirava. Uma admiração desvinculada de moderação. Digamos, novamente, que os que admiram têm os seus delírios. Seus ápices de loucura. Dia dez havia sido o dia.
       Ela estava lá. Na típica roda. O círculo das canções. Da reunião amigável. Ela, o foco das atenções. E eu, observava a distância. Admirava com ostentação. Apreciava banzado. Via aquilo que queria. O belo. E o feio. Era triste ver toda aquela popularidade que esbaldava. E horrenda a possibilidade. Aquela dos sentimentos. Dos sentimentos possíveis entre ela e o garota que esta julgava merecedor de seus olhares enquanto entoava suas desconcertantes canções. Mas, tudo era suposição. Fatos incertos que tiravam-me sal do corpo. Gotas de suor representantes do que é a dúvida. A indecisão das incertezas.
       Infelizmente, quando ostentamos, acabamos convergindo ao fanatismo. À epiderme fria, digna de ser rasgada. A possibilidade da loucura. E Luíza me fez um louco. Me fez ser visto como um louco. No dia dez ela lá estava. No ritual habitual. Nas olhadelas desinibidas àquele garoto insosso. E eu distante. À poucos metros, na verdade. Mas decidido. Decidido a saber a verdade. Era aquele cidadão o responsável pelo furto de minha pérola. Seria a prova real. 
       Em questão de segundos, levantei-me tranquilamente do banco central. O intervalo de espaço entre onde me sentava e onde ela sentava, era curto. A caracterização típica do desesperado, do incriminado, eu não possuía. Estava seco. Sem lágrimas, suor, ou qualquer líquido corporal que me desmascarasse. Afinal, não era um crime. Era a afirmação de uma incerteza. E acredito que, toda incerteza, merece evoluir para a certeza. 
      Um. Dois. Direito. Esquerdo. Um sopro de morte. Uma frase de consolação. ''Acalme-se Luíza. Isso não irá acontecer novamente.'' Livre. Sem peso algum. Risquei-a com a lâmina do que era a minha prova. Depois do corte singelo, focado, anatomicamente cirúrgico, perdi o contato com os olhos de Luíza. Passei a observar o que atormentava-me a tanto. Era óbvio. Se ele ousasse chorar, teria a certeza que o amor havia se consumado entre eles. Se ele tivesse coragem de mostrar-se triste, morto-vivo, concretizaria a evolução de minha certeza. E ele chorou. Gritou. E eu sorri. Um sorriso advindo do ódio. E da confirmação. Um sorriso preso há muito. Um mostrar de dentes com gosto de vitória. Afinal, lá estava a prova. Ele mostrou-me o que há tanto imaginava. A relação entre Luíza e ele havia se iniciado. Contente, absorto na satisfação, me dirigi ao lugar de onde há segundos havia me levantado.
      Me chamo Eduardo. Tenho dezessete anos. E tenho a satisfação, o gozo interior de dizer-lhe: a certeza de minhas intuições, sadicamente, é o remédio que me acalma.   

4 comentários:

  1. Bom texto! Parabéns pelo blog! Te seguindo!
    Abraços!
    http://meulivrocorderosa.blogspot.com/

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  2. Esse blog merece uma reverência especial. Parabéns.

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  3. olá,gostei muito do blog,o modo como consegue transmitir os sentimentos dos personagens,é despertador!

    estou te seguindo, vc me segue tbm,venha conhecer o meu blog,
    http://rob-umarosaazul.blogspot.com.br/
    at+

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