quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

                                                        Duelo 99


A idade vem chegando. Os anos vão passando. Parece que as pernas sentem o peso das primaveras. Também, são tantas folhas que caíram... Hoje vi meu - já nem sei mais o ordinal que o representa - parente morrer. Morreu. Bateu às botas. E eu aqui. Noventa e nove anos. Nove nove. Em cada perna. Mais vivo do que nunca. Claro que sou ficção. Sou apenas uma ideia desse escritor meia boca que vos escreve. Entretanto, mesmo que irreal, represento uma parcela da realidade. Há pessoas e mais pessoas próximas do centenário. Me pergunto... o quão bom é chegar aos cem anos? Será que realmente compensa adiar a morte, permanecer na sociedade, vegetar nos vegetais do quintal lá de fora? É viável fechar a tampa do caixão de todo mundo, menos a minha? Pelo que vivi, sofri e sorri, acredito que seja. Creio que viver é, antes de mais nada, melhor do que morrer. Apesar que esses dias conversei com um falecido amigo meu... disse que não se queixava muito do jeito que morreu.... ataque fulminante, direto no coração...rápido e sem graça. Ei. Espere. Como vivo fala com morto? O débil, escreva isso aí direito...


-Acalme-se personagem ranzinza! Escrevo do jeito que quiser. Se quero te colocar falando com morto, eu posso. Eita esclerose.


-Ei! Mais respeito com suas ideias.


-Tudo bem vai. Retiremos a parte do falar com um morto. 


Bem, onde estava mesmo. Ah. Desculpe-me. A memória já é fraca sabe... Apesar que lembro da infância como se fosse ontem... Época de garoto. Futebol, gude, subir em árvore...


-Leitor... não dê trela a este senhor...tape os ouvidos que essa história da infância é muito longa pra explanar aqui...


Aquela foi minha infância...


- Obrigado por tapar os ouvidos... isso me poupa palavras...


E hoje aqui... à base de remédios e rapazotes de branco que se acham os deuses da cura. Cambada de ignorantes. Não morro porque comi muito ovo cru. Muita feijoada. Não por causa dessas químicas aí... Bem. Pra falar a verdade.... acho que minha hora está chegando. Sinto que aproveitei tudo com louvor. Garotas, comida e diversão. Tudo me foi válido. Até o sofrimento das tantas perdas me foi válido. Gostaria apenas dizer que aproveitem muito essa vida. Mesmo que as coisas não deem certo, fiquem calmos. Tranquilidade reina sob o império da paz. Pode ter certeza. O segredo de uma vida longa, é a paz. Nunca matei ninguém. Nunca sequer briguei com alguém.Isso já me eliminou possibilidades de morte. Nunca dirigi. Eu sei, isso é coisa de velho. Mas nunca morri por acidente. Nunca bebi, fumei, nada disso. Tomei uns ''gorózinho''... mas coisa leve. Nada que me atacasse o fígado. Por isso nunca tive doença das graves. Você, que faz tudo isso ao mesmo tempo. Inveje-me. Não vai passar dos nove nove jamais. Escute o que falo. A voz da experiência comanda. Não há nada mais intenso do que viver. Portanto, esqueça essa coisa de ''antes dez anos intensamente do que cem monotonamente.'' Te garanto. Em cem anos de vida, até o monótono pode ser intenso. Sei que não vou chegar ao cem, porque vou morrer daqui poucos minutos. ( Esse preguiçoso de uma figa que me tem na cabeça quer dormir...) Mas antes de sumir nessas sinapses confusas, quero deixar um recado. Viva. Fuja do que te retira o ar. Escape da foice maldita. Independente do que aconteça. Viver é o melhor remédio para o próprio viver. 

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