quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

                                      Mania de elevador

Habitualmente, as conversas de elevador são rápidas; simplórias. Cheias da boa educação e do cavalheirismo para com a dama. E da boa vontade para com o cavalheiro. Aperta-se um ou dois botões. A porta se abre e, como de costume, sorriso pra cá, sorriso pra lá. Cada um segue sua vida. E isso é tão de praxe, que qualquer mínimo detalhe se sobressai no meio dessa polidez toda. Sobressaiu. Há alguns dias havia marcado de ir ao dentista. Situava-se num pequeno prédio. Sem graça... metido à edifício, mas que não passava de prédio pequeno. Pois bem, no dia marcado, acordei, fiz os deveres e rumei. Atravessei a rua. Cumprimentei o porteiro, e caminhei para o elevador. Então a porta abriu. Entrei e esperei. Na pequena longa espera.Convenhamos. Elevador é uma máquina gozada. Veloz, mas tão lenta. Prossigamos. Na ''viagem'', reparei que havia mais dois passageiros ''à bordo''. Ambos aparentemente nervosos. Um deles com um belo relógio de pulso. Tão vistoso, mas sem alguma função. Totalmente imóvel. Parado. O outro, com o maço de cigarro parcialmente à mostra no bolso da camisa. Bem, daí saem algumas conclusões. O primeiro, certamente conhecia o fato do relógio estar estagnado. Parado. Há de concordar comigo... qual pessoa que não percebe o silêncio dos ponteiros? O sumiço do tic-tac monossilábico? O outro, um viciado. Fumante de longas décadas. Além do mais, tossia de maneira constante. O que reafirmava meu ponto de vista. Devia ser culpa daquela mania dos antigos, cujo cigarro era visto como status social, já que ambos eram da meia idade. 
O do relógio, então, quebrou o silêncio. Bom dia! E em uníssono, todos responderam o mesmo. Era a deixa para a constatação de minhas observações. "Senhor, acho que seu relógio parou...'' Aquela velha mania de supor algo para alguém mais velho. Talvez seja educação, costume. Mas de praxe, com velhos sempre achamos. Pois bem. '' E não é que está parado mesmo! Relógio para quê sendo assim? '' Aquele velho sorriso maroto. De educação. De complacência. Ou, quem sabe, de um: você não tem nada haver com isso seu insolente! Não leio pensamentos. Entretanto, todos ''sorriram''. ''Cof''. Mais tosse. ''Senhor, me perdoe, mas acho que deveria parar de fumar. Essa tosse deve realmente incomodá-lo!'' Já que o momento era propício. Parecíamos velhos amigos na beira do mar falando dos defeitos um do outro. Ou melhor. Eu falava dos defeitos. Detalhes, melhor dizendo. O do maço me respondeu então. ''Ah jovem. O cigarro não é meu. Meu chefe pediu pra comprá-lo, e lá foi o velho!'' Fez gracejos com a testa, em sinal de ''Ah garoto, você errou!'' e mandou outra frase encobrindo a já proferida: ''Quanto a tosse. Essa realmente incomoda. Mas como cantei ontem no bar ali da esquina, voz de velho não aguenta mais. Esse é o resultado...'' Que beleza! O do relógio era apenas um despercebido. O do cigarro, era, quem sabe, o galã musical das vovozinhas. E eu... quem eu era? O que julgava conhecer detalhes da vida de alguém baseado, copiosamente, em detalhes. O elevador se abriu e saímos com as cordiais despedidas. Ainda gosto de ver cada peça escondida das cenas que vivo. Cada passo ou gesto diferente que me leva à conclusões. Contudo, depois dessa situação,tentei me precipitar um pouco menos. Ainda tento, já que essa mania de elevador insiste em me perseguir. Afinal, embora os detalhes sejam contrastantes, insinuantes, repetidamente cativantes, geralmente sobressaem só os que gostaríamos de ver. Quem se prende às pequenas coisas deve ser louco apaixonado. Discípulo da monotonia.Ou vá lá...apenas alguém que goste de observar, como eu. Você. Lembre-se disso quando entrar no próximo elevador. Repare à sua volta e tire suas conclusões! Tem uma certa diversão nas possibilidades do erro e do acerto. 

Só pra constar. O do relógio vestia branco e tinha grafado em seu paletó: Dr. Osmar Dantas. Só fui reparar quando sentei-me à cadeira do dentista.

4 comentários:

  1. Cara, eu adorei kkk
    Você é muito bom no que escreve e adorei o fato de tudo aqui ser bem detalhado. Claro que te sigo e vou procurar prestar mais atenção mais nas coisas em minha volta e principalmente nos elevadores da vida ;)

    Beijos ;*

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  2. muito interessante. e olha que eu tambem tenho essa mania. tomarei mais cuidado com minhas teorias de agora em diante.

    até mais,

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  3. Adorei sua narrativa. Que felicidade ter me recomendado seu blog, meu café ficou com um sabor melhor depois dessa leitura, ficarei por aqui, para acompanhar sua jornada de perto.

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  4. O interessante é o 'quanto' escapa aos nossos olhos....
    Beijos.

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