sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

                                Incomoda,mas não mata...

Há alguns dias, um parente de estimável consideração de minha parte e , se bem o conheço, de semelhante consideração para com minha pessoa, contraiu uma virose. Daquelas que te deixam dias na cama. Febre, muco, náuseas, indisposição. Como um trabalhador, de tempo livre, quando a inspiração necessária não chega à minha mente, acabei indo lhe fazer uma visita. João me recebeu com agradável surpresa de doente. Todos os doentes quando recebem uma visita aparentam certa surpresa. O medo e a ignorância das pessoas muitas vezes isolam uma boa prosa de descontração do perigo de contágio. Nunca tive tais preocupações. Antes doente do que sem minhas reconfortantes e regozijantes provas de que a vida ainda é serena e compartilhável. De volta à agradável recepção de João José – tomo a liberdade de fazer outra pequena pausa em minha visita, mas é algo de merecido destaque o nome de meu parente. João José. Apesar de dizerem que o nome foi feito para a distinção e individualização dos seres; parente azarado esse meu. João José. Se dermos dois passos à frente da entrada de nossa casa, já cumprimentamos vários ‘’Joões’’ e vários ‘’Josés”. Nada mais comum e ao mesmo tempo brasileiro do que ser chamado de João José. Só faltou o ‘’Silva’’ para meu parente se tornar um verdadeiro representante do comum extremo. Mas a culpa não é do coitado, mas de seus pais. Pois bem, contar-lhes-ei o fato que me levou a escrever. Após os ‘’greetings’’, começamos a perguntar sobre a família, os amigos das antigas. Acabei, então, indagando-o sobre seu estado nada saudável. Ele me revelou sua falta de cuidados com a saúde, sempre preso aos vícios, e que uma doença havia lhe agravado um sério problema no organismo todo. Isso ele dizia parecendo um médico formado com anos de experiência. Perguntei-lhe se o médico era bem capacitado para desenvolver o tratamento. Eis que surge uma resposta nada convincente: “Meu caro, para um homem de minha idade, afastar a vinda da morte pode ser mais mortífero do que a própria chegada desta.’’ É aceitável tomar uns comprimidos por conta própria. Um resfriado ali, outro aqui. Ressalto um fato importante que aprendi com um médico: resfriado não é o mesmo que gripe. Esta mata. Aquele só proporciona canseira e espirros. Bem, João José era o tipo de pessoa que percebemos ser um ‘’auto-médico’’. Nunca havia ido aos mestres do prolongamento da vida. Minto. Já havia ido à um médico. De acompanhante da esposa. Irrelevante para a própria saúde. Pois João José é um dos tipos que vemos com muita frequência nesse mundo. Os portadores da ''médicofobia’’. Ser curado e viver mais alguns anos não tem nada a ver com eles. É preciso entrar na faca para tudo. ‘’Eu, entrar na faca?’’. Definitivamente João José me trouxe a realidade à tona. Medicofóbico. Meu parente afirmava estar muito abatido e arrasado por sua doença. É triste saber que existem pessoas que não prolongam a vida. Como apreciador do viver, convenci João José a ir ao médico. Confesso que a demora foi tanta que cheguei quase à desistência. Contudo, parente querido merece alguns anos a mais de proveito mundano. Só após a promessa de que à menor suspeita de ‘’faca’’ João José poderia correr do pequeno posto de saúde da cidade e nunca mais precisar olhar pra ‘’jaleco branco’’ nenhum, é que minha proposta foi aceita. Rumamos ao doutor. Me senti em Hollywood. Parecia mais um sequestro da nova cobaia do governo federal do que uma visita para tratamento. Suava frio João José. Chegamos ao posto. Dez minutos de espera. ‘’Senhor João José?’’. Era chegada a hora. A primeira visita ao médico e para meu querido parente a última. “Totalmente desnecessário essa vinda. A morte não se engana.” Discursos covardes à parte, cadeira do médico. Estetoscópio no peito, garganta vistoriada, sintomas revelados e eis que surge a grande revelação que tanto João José afirmou ser a confirmação de sua sina. ‘’ Sr. João José, o senhor está com um incômodo resfriado.” Pronto. A morte estava distante de meu estimável parente de nome tão singelo. Até porque gripe mata. Já resfriado... só incomoda.

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